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De holofotes virados para as recorrentes notícias sobre o crime de colarinho branco, esquecemos que outros crimes de igual ou maior gravidade vêm aumentando a sua incidência e malefício sobre a comunidade, sobre os laços afectivos da família, sobre homens e mulheres, arrastando-os para o nada. Falo do inferno da droga, das suas vítimas e dos vendilhões do produto, que se movem por ganância e pelo poder que os ganhos sujos lhes proporcionam. Não obstante as enormes apreensões de estupefacientes, tem sido difícil chegar ao topo da hierarquia dos bandos de traficantes, que vestem fatos aprumados, mas têm cabeça e sentimentos obscuros e absoluta indiferença pelo mal que provocam, porque nunca são surpreendidos no seu "fato de trabalho". Utilizam os chamados correios, gente normalmente sem capacidades económicas, sem emprego. Transportam, por vezes, no interior do seu corpo e morrem, frequentemente, por rebentamento do invólucro que acondicionava a droga. Outros são presos e condenados. Condenados são também os traficantes de nível intermédio, mas raramente o são os verdadeiros traficantes da morte. As vitimas reais deste negócio hediondo são os consumidores e toxicodependentes, na maioria jovens desiludidos, tristes e depressivos. As estatísticas revelam que só este ano houve mais mortes por overdose do que nos anteriores cinco anos! A competição excessiva incentivada, mesmo com as melhores intenções, pela família nos jovens é, muitas vezes, causa de distúrbios emocionais e psicológicos, tornando-os presas fáceis e vulneráveis. A vida agitada e complexa da maioria dos pais não permite um acompanhamento constante dos filhos, deixando-os, por vezes, indefesos perante a teia que o traficante tece à sua volta, tornando-os vulneráveis à experiência da droga, repetindo os consumos até que são capturados por ela. Sem amor próprio e quebrados pelo vício, causam dramas na família. Não pode haver contemplações para com este negócio face às consequências perniciosas em toda a sociedade. Há que reflectir, reordenar conceitos, estabelecer prioridades e sobretudo apostar na prevenção. Os tribunais têm mantido uma rigorosa jurisprudência, satisfazendo, nas penas aplicadas, as necessidades da prevenção, considerando os bens jurídicos em causa de paz social e harmonia familiar, e as consequências gravosas para a saúde pública. É constante e unânime a referência ao sentimento jurídico da comunidade que apela à erradicação do tráfico "destruidor de filhos e famílias" e aos efeitos nefastos para a saúde e vida das pessoas. Parece-me por isso que deve investir-se na prevenção deste tipo de crime, projectando-se novos planos nacionais que envolvam entidades públicas e privadas com intervenção nesta área, a escola, os pais e especialistas no apoio, acompanhamento e esclarecimento dos jovens "candidatos à adição", procurando evitar-se definitivamente a sua degradação enquanto seres humanos.
*Ex-diretora do DCIAP
a autora escreve segundo a antiga ortografia