"Trapalhada" estabeleceu-se no léxico político, tanto quanto me lembro, no governo de Santana Lopes num contínuo começado num discurso de tomada de posse que não estava todo escrito e acabado com a dissolução do Parlamento na sequência da renúncia de um egrégio trauliteiro comentador desportivo.
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Com Sócrates por razões político-pessoais e, mais tarde, só políticas as trapalhadas foram-se sucedendo. Quando Passos Coelho foi eleito, o seu ar sereno de menino de coro, prenunciava tréguas (e não estou a falar de medidas de política que essas, todos sabíamos, iam ser duras).
Passados menos de nove meses, parece que o vírus afinal estava vivo e contaminou o Governo. Só para referir as mais recentes: poder sobre os fundos do QREN, pagamentos à Lusoponte, pagamento dos dividendos da EDP e REN aos novos accionistas, excepções nas remunerações das empresas públicas em concorrência ou privatização. Em todos estes casos, houve membros do governo dessintonizados, maxime o primeiro-ministro, o que não abona sobre a coordenação política existente.
Em paralelo, se não tiver cuidado em sofisticar o seu discurso, o chefe de Governo corre o risco de trilhar o caminho que Sócrates, ao repetir que tudo está a correr pelo melhor e que em 2013 Portugal voltará ao mercado. Ou tem informação privilegiada, não disponível ao comum dos mortais, ou está a tomar desejos por verdade ou, o que seria pior, em estado de negação. Politicamente grave em qualquer dos casos, por poder levar à inércia ou à tomada de medidas erradas. Se, como estou em crer, Passos Coelho tem consciência da situação, não me parece adequado que insista num discurso tão simplista. Portugal precisa de fazer o trabalho de casa, não cometer erros, ser eficaz, conquistar a sorte. Mas precisa, e muito, de boa fortuna quanto à evolução do contexto económico e político internacional. É uma realidade inelutável que não fica mal ser reconhecida.
Se o Ministério das Finanças tem um papel crítico na contenção orçamental (até agora, bem) e na reforma da Administração do Estado (até agora, a zero), as pastas económicas devem, dentro dos limites orçamentais impostos, administrar medicamentos de compensação (políticas conjunturais) de modo que a economia não feneça e, ao mesmo tempo, criar as condições para que saia do tratamento mais forte (reformas estruturais). Para isso é necessária uma estrutura organizacional que possa garantir eficácia operacional e, adicionalmente, uma adequada coordenação política. Passos Coelho cometeu um erro na arquitectura do Governo, ao criar dois superministérios cuja administração estaria ao alcance de muito poucos. Tudo indica que os actuais titulares não estariam nesse lote, mais a mais quando condicionados ao equilíbrio partidário na escolha da equipa. Quer dizer que não são competentes? É provável que, numa pasta mais bem definida, decidissem bem e a tempo. Não querer reconhecer este erro é uma teimosia, menos crispada do que a do anterior locatário de S. Bento, mas nem por isso menos gravosa para o país. A forma como, em particular, se tem esvaziado o Ministério da Economia, é pouco transparente em termos políticos (por exemplo, tanto quanto se sabe a equipa de missão de António Borges não foi iniciada por Santos Pereira), em termos de responsabilidades (reporta a quem?) e também de custos (fica mais barata ou cara que um outro ministério?).
Na sua moção ao congresso do PSD, Passos Coelho aponta alguns caminhos certos no domínio da economia, nomeadamente quando fala da necessidade de uma nova política industrial dirigida para os sectores de bens que competem nos mercados internacionais. Como gestor saberá, no entanto, que não basta ter nem uma visão, nem um bom "plano de negócios". É preciso que a estrutura e as competências da organização sejam capazes de responder. Talvez Álvaro Santos Pereira esteja a ser imolado num ministério que é uma pira com lenha a mais para qualquer bombeiro. E a responsabilidade dele terá sido só a do voluntarismo.