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Esta semana um amigo enviou-me uma fotografia de um outdoor, colocado numa zona residencial e comercial de Lisboa por uma junta de freguesia, onde se pode observar uma pessoa e um cão sentados em duas cadeiras lado a lado. Nele está escrito: "Ele conta contigo - nunca o abandones". A imagem e a mensagem espoletam múltiplas abordagens.
Relembrei-me, de imediato, que uma das grandes questões que marcam a era em que estamos é a degradação da relação metabólica homem/sociedade/natureza. Temos mais conhecimento sobre o mal que os estilos de vida "mais avançados" estão a provocar, mas respeitamos muito pouco os recursos do planeta, a natureza, os animais, as árvores e outros elementos indispensáveis para a nossa existência.
Surgiu-me logo outra interrogação. Se os outdoors são eficazes para despertar consciências, por que razão não temos as ruas cheias deles abordando - com fotografias que incomodem - grandes problemas como os custos da habitação que não param de se agravar, o preocupante abandono do Ensino Superior, a persistência da pobreza, os salários baixíssimos? Concluí que não temos (por agora) porque era preciso outra predisposição cidadã.
As pessoas andam cansadas de imagens e mensagens aterrorizadoras vindas dos conflitos e guerras, dos pretensos impactos negativos dos avanços científicos e tecnológicos, dos bloqueios criados pela financeirização da economia. As respostas aos grandes problemas exigem empenho sério na sua análise e muito trabalho coletivo na sociedade. Ora, hoje está instituído que tudo se resolve no plano individual.
Somos muito acomodados, "fofinhos", com os poderes que nos impõem irracionalidades, injustiças, sofrimento e guerras, ao mesmo tempo que vamos correndo o risco de indiferença perante horrores humanos apresentados como longínquos. Os maiores exploradores são aceites como símbolos e heróis. Os conceitos que utilizam para explorar a esmagadora maioria dos cidadãos são tomados acriticamente pelos explorados. Nos planos económico, social, cultural e político parece que a nossa sensibilidade só consegue despertar para temas e questões de círculos muito próximos e momentâneos.
São necessárias ruturas para se travar o definhamento moral em que estamos mergulhados. O funcionamento do mercado é indiferente ao sofrimento humano e não garante relações pacíficas para além de espaços micro. No final do século XIX e no início do século XX, foram muito dolorosas para países e povos de todo o Mundo as interações entre povos pela via do mercado livre.
Há muitos milhões de seres humanos abandonados e também no nosso país. Os que não têm casa e vivem na rua, os que não têm acesso à saúde quando precisam, os que têm baixíssimos salários e pensões de reforma, os desempregados sem acesso a subsídio de desemprego, muitos imigrantes, os jovens empurrados para a emigração ou os que não conseguem estar no Ensino Superior por falta de condições das suas famílias.

