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Há duas importantes lições na história recente da União Europeia: a primeira é a de que, sempre que os países do Velho Continente se veem a braços com crises agudas, emerge a força diplomática da unidade institucional; a segunda, que decorre da primeira, é a de que o bem comum tende a beneficiar os mais fortes, que são quem normalmente redige os acordos coletivos. Na crise do gás não é diferente. Com o alto patrocínio da Alemanha, da França e de alguns países nórdicos, Bruxelas pediu aos estados-membros que poupem 15% no consumo para garantir reservas suficientes para todos no inverno, diminuindo, dessa forma, a dependência do Kremlin, que nos próximos meses vai abrir e fechar a torneira em função dos interesses da máquina de guerra. No fundo, porque é disso que verdadeiramente se trata, a União Europeia exortou os estados-membros a serem solidários com os alemães, totalmente dependentes do gás russo para se aquecerem e alimentarem a sua poderosa indústria, evitando que o desastre germânico redunde num desastre europeu.
Portugal e Espanha, com mais vigor, mas também Grécia e Itália (os mal afamados PIGS do tempo não tão longínquo da crise das dívidas soberanas) já bateram o pé. Não apenas, no caso de Portugal, porque a seca severa que atingiu o território fez aumentar a dependência do gás natural na produção de eletricidade, mas também porque o gás poupado dificilmente seria aproveitado por outros estados-membros, atendendo à fraca capacidade de interligação entre a Península Ibérica e o centro da Europa. Dos 15% universais, Bruxelas passou para os 5% excecionais, à medida de Portugal e de Espanha. Mas nem assim o Governo está convencido.
As justificações técnicas dadas pelos nossos responsáveis políticos fazem sentido, mas a posição musculada de Portugal, dado o atual contexto de guerra, causa alguma surpresa (as negociações ainda estão no início e é bom enquadrar esta estratégia nesse pano de fundo). Houve quem, por estes dias, tenha glosado com a situação, lembrando que os alemães e os nórdicos talvez estejam a viver energeticamente acima das suas possibilidades, numa alusão ao que os países ricos (do Norte) disseram dos pobres (do Sul) quando estes pediram dinheiro emprestado para escaparem à bancarrota; porém, o que resulta mais uma vez deste braço de ferro é a imagem fria de que a União Europeia continua a mover-se sob a égide da real politik. Quem pode manda. Quem tem vontade resiste.
*Diretor-adjunto