Três ideias para umaalternativa
Mas alguém sabe o que se poderá fazer de diferente? A pergunta funcionava como um seguro a favor das sucessivas revisões que agravaram o programa de resgate. O Manifesto dos 74 quebrou o seguro, com uma resposta simples: pode e deve participar-se ativamente, no quadro europeu, na revisão dos prazos, juros e formas de amortização da dívida, para reduzir o gigantesco volume de riqueza nacional que é anualmente drenada para os credores.
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É um princípio. Mas pede desenvolvimentos. Que podemos oferecer da nossa parte? Como usaremos a folga? Com que prioridades? Qual é, pois, a alternativa?
O primeiro ponto é a necessidade de um caminho diferente. O INE acaba de torná-la mais evidente. Quase um em cada cinco portugueses está abaixo do limiar da pobreza. A proporção sobe para os 40% entre os desempregados. Os rendimentos dos 10% mais ricos são 11 vezes superiores aos rendimentos dos 10% mais pobres. A austeridade está a empobrecer-nos e a dividir-nos. 30 mil milhões de euros de austeridade conduziram-nos a mais emigração, a mais desemprego de longa duração (que ainda não recuou), a mais dívida - e a um défice ainda em redor dos 5%. Assim não vamos lá.
O princípio indispensável para uma alternativa é ter consciência deste facto. É o que dá força para negociar novos termos para o período pós-troika. Só um demagogo pode garantir que consigamos obter tudo. Mas se não fizermos nenhum esforço nada conseguiremos.
A questão não é a letra do Tratado Orçamental, que subscrevemos, e bem. O presidente do Tribunal de Contas explicou-o há poucos dias aos deputados do PSD. Basta ver que o défice estrutural é o défice ordinário descontados os efeitos do ciclo económico para perceber que o seu cálculo é tudo menos aritmética. E as dificuldades para chegar aos valores acordados para défice e dívida são de Portugal como de França, Itália, Holanda, Espanha, Bélgica...
A garantia que devemos oferecer é o rigor orçamental. Em boa teoria, quer dizer saldo primário corrente positivo. Descontados os juros e o investimento, o Estado deve gastar em cada ano menos do que a receita cobrada. Mas reconheço que, agora, tenhamos de ir mais longe e garantir um saldo primário positivo. Isto é, toda a despesa, sem juros, deve ser inferior à receita.
Como é que se consegue? Para o mesmo nível de receita, fazendo crescer a despesa menos do que cresce a riqueza. Ora, o PIB não pode crescer se ao efeito do crescimento das exportações não se somar a recuperação da procura interna. E não há recuperação da procura interna sem alguma reposição do nível de rendimento das famílias. Este é o alfa e o ómega da alternativa orçamental: estancar a sucessão de cortes de rendimentos para acabar com este absurdo de tirar milhões às pessoas e à economia para agravar o problema das contas públicas!
Em segundo lugar, o crescimento da economia (e, por aí, o crescimento da receita) deve servir para minorar os cortes (feitos e em curso) nas transferências sociais. Sem elas, quer dizer, sem o Estado social, metade dos portugueses correria o risco da pobreza. A condição de recursos deve ser estendida a todas as prestações não contributivas - e portanto às pensões mínimas. Mas a fim de ganhar margem adicional para repor a proteção no desemprego e na privação material em níveis mínimos de dignidade.
Parar com os cortes, reinvestir na proteção dos mais vulneráveis. E, finalmente, propor aos parceiros sociais um acordo de médio prazo, que deve ligar a reposição gradual e progressiva dos cortes de rendimentos (isto é, uma redução das sobretaxas de IRS e de contribuições extraordinárias) à verificação de um certo crescimento do PIB e de um certo saldo primário. Começando pelo aumento do salário mínimo, para que todos os parceiros honrem o acordo que já subscreveram. Mas comprometendo-se também todos com um caminho financeiramente sustentável para que o trabalho readquira o valor que nunca deveria ter perdido.