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O Reino Unido, a União Europeia, os Estados Unidos da América, o Mundo, enfim, soltaram um sonoro suspiro de alívio, quando, ontem de manhã, se soube que a Escócia não será um país independente. Pelo menos para já, mantém-se no reino da Grã-Bretanha. Há muito que não se via tanta artilharia pesada apontada na mesma direção, tamanho era o medo. Até a duquesa de Alba, coitada, foi usada como trunfo. Saber-se que a senhora poderia ser a rainha da Escócia, caso vencesse o "sim", é susto suficiente para um partidário da independência mudar rapidamente o sentido do voto...
Na borrasca de um caso apaixonante, como sempre são os casos que políticos em que a razão se mistura com a emoção, há três ilações que convém reter, para memória futura.
Primeira: o notável exemplo de civismo e cidadania dado pelos escoceses. Um tema delicadíssimo foi tratado sem roturas institucionais, sem querelas de maior entre partidários de um lado e do outro e, sobretudo, com um fantástica participação: 85,6% dos eleitores foram votar. Isto tem uma consequência: mantêm-se estáveis as pontes de diálogo entre os opostos, facto nada despiciendo, tendo em conta que permanece em cima da mesa a hipótese de se realizar um novo referendo (o que só muito dificilmente aconteceria se tivesse vencido o "sim") . Tendo a História como pano de fundo, é notável que esta decisão tenha ocorrido pela contagem dos votos e não alcançada pela contagem das vítimas, como aconteceu na Irlanda do Norte, no Kosovo, na Ucrânia, etc..
Segunda ilação: não há outro modo de manter coeso um país plurinacional em que convivem identidades distintas senão seguindo o caminho da descentralização e autonomia política. David Cameron percebeu isso a tempo e apressou-se a prometer mais poder e mais competências e mais dinheiro para a Escócia. Veremos até que ponto mantém o que disse, uma vez que, para manter os equilíbrios, terá de compensar as restantes partes do Reino (País de Gales, Irlanda do Norte e Inglaterra).
Terceira ilação: fica claro, mais uma vez, que uma declaração de independência só tem força e consequência se for desejada e apoiada por uma larga maioria do povo. O que a votação de ontem mostra é justamente o contrário: os escoceses estavam muitíssimo divididos, ou seja, longe sequer de um patamar mínimo de entendimento quanto a uma causa decisiva e transversal. A aritmética é determinante no apuramento das contas, mas nunca serviu de argamassa para um projeto identitário que reclama e exige comunhão de ideais e união de objetivos. Quando é fraco, todo o poder tende a ser violento. O pior que, neste momento, podia acontecer ao Reino Unido e, por extensão, à União Europeia seria o aparecimento de um novo país retalhado dentro de si próprio.