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Admitamos, mesmo que em tese, que o PSD viabiliza o Orçamento que ainda ninguém conhece, e que vai sendo divulgado a conta-gotas. Nos dias seguintes, e enquanto os técnicos do FMI renegoceiam com as companhias aéreas o adiamento das suas viagens, alguns dos observadores que agora incitam o líder da Oposição a "ter sentido de Estado", acusá-lo-ão de ter cedido à chantagem de José Sócrates. No PS, onde não se viu ninguém até agora aplaudir as medidas antipopulares que o Governo anunciou, não faltará quem diga que elas só foram tomadas para ceder às exigências prévias de Passos Coelho. Alegre continuará a apoiar as greves gerais e a garantir que, se for eleito, não aprovará as medidas de contenção da despesa pública. Sócrates voltará a falar das sete maravilhas da sua governação, recusar-se-á a fazer cortes na gordura do Estado, no TGV e na terceira travessia, a reavaliar as parcerias público-privadas, e esquecerá as medidas antipopulares para tentar esticar a sua sobrevivência e para não comprometer o seu candidato presidencial, garantindo à Função Pública que o sacrifício foi temporário e que o seu poder de compra será recuperado em 2011. Depois, em finais de Janeiro, Cavaco Silva será eleito à primeira volta, porque o povo estará grato por ele forçar o consenso que garantiu que houve dinheiro para as compras de Natal. Por essa altura, já se saberá que a execução orçamental de 2010 terá ficado a anos-luz do que Teixeira dos Santos prometera, e que as receitas fiscais não aumentaram como se esperava porque a economia entrou em recessão. Com eleições à vista, e debaixo de grande pressão internacional, começar-se-á a falar de um PEC4, que o Governo não quererá anunciar, por temer as consequências eleitorais e o PSD estará numa situação aflitiva, porque não pode prometer o que depois será impossível. O FMI chegará então a Portugal para mandar num país que se suicidou.
Lamentavelmente, os três anteriores presidentes da República apareceram juntos a fazer coro no mesmo sentido, ou sem sentido, apelando à viabilização do OGE numa cerimónia banal e tristonha, em que faltou o decoro e a razão. Infelizmente, nenhum deles teve a coragem de explicar ao país aquilo que está em jogo. Eanes ainda tentou ser diferente, mas nenhum daqueles senhores soube fazer um apelo directo ao primeiro-ministro para compreender que este é o momento de demonstrar o tal sentido de Estado que hoje só se exige às oposições e às centrais sindicais. Era preciso que algum desses senhores, que não estão à beira de eleições e que têm responsabilidades pelo estado a que se chegou, tivesse a coragem de explicar que o país está nas lonas, que todos vamos ter de fazer sacrifícios por muitos anos, que não há condições para se fazerem obras desnecessárias. Era imperioso que um deles tivesse denunciado as corporações e explicado que é preciso estudar mais e trabalhar mais, porque o que resta do país é de nós todos. Era essencial que um deles tivesse dito que a política furtiva se esgotou, e é manta curta para esconder as nossas debilidades. Era exigível que um deles tivesse explicado que o aumento de impostos é uma quimioterapia que apenas adia o descalabro, e que só merece ser viabilizado se, simultaneamente, se fizerem as reformas indispensáveis e urgentes. Era normal, e teria ajudado o Governo e a Oposição, se algum deles tivesse confessado que o Estado social, como hoje o entendemos, já entrou em colapso. Lamentavelmente, são estes os tristes senadores da terceira República.