A campanha eleitoral convocou, entre outros, o tema da justiça, que tem sido objecto de diversos debates e programas partidários. Porém, nem sempre pelas melhores razões. Umas vezes, sob uma perspectiva de progresso e garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, outros, infelizmente, analisado de forma retrógrada e, até, inconstitucional.
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Os tribunais foram sempre o parente pobre do Estado. Enquanto órgão de soberania independente, não congrega a simpatia dos políticos e, de uma forma geral, dos poderosos. Os magistrados eram mal pagos, os tribunais instalados em imóveis absolutamente desadequados, muitas vezes prédios de habitação impróprios para o exercício da função. Os funcionários, em número insuficiente, eram, também, vítimas do desrespeito pelo poder, com trabalho em excesso, executado em péssimas condições e muito para além do horário. Reinstaurada a democracia, os tribunais mereceram tratamento cuidado na CRP, na qual se plasma que os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, afirmando a sua independência e a sua sujeição exclusiva à lei. O art.o 218 n.o 1 determina que o Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão máximo de gestão e disciplina dos juízes, é presidido pelo presidente do STJ e composto por dois vogais designados pelo PR, sete eleitos pela Assembleia da República (AR) e sete juízes eleitos pelos seus pares. O MP tem como órgão superior a PGR, que compreende o Conselho Superior do MP, composto pelo(a) procurador(a) geral, magistrados do MP por inerência (quatro), magistrados eleitos pelos pares (sete), membros eleitos pela AR (cinco) e membros designados pelo(a) ministro(a) da Justiça (dois) - Lei orgânica do MP. Resulta do exposto que é no mínimo demagógico o apelo partidário à alteração da composição de ambos os conselhos, para neles fazer intervir a sociedade civil. Não só esta está expressivamente representada em ambos os conselhos, como estes gozam de perfeita legitimidade democrática, abrangendo a sociedade civil e representantes dos magistrados. Inclusive, no CSM os vogais eleitos e designados por outros órgãos de soberania estão em maioria. O que se pretende então ao acenar com a bandeira do não controlo das magistraturas? Os tribunais e os seus magistrados são dos órgãos mais fiscalizados publicamente. Que eu saiba, nenhuma ordem profissional integra magistrados nos seus conselhos deontológicos ou de disciplina. Por outro lado, os magistrados são escrutinados pelo público em geral, comunicação social, conselhos superiores, advocacia, sendo que das decisões há sempre recurso e delas pode discordar-se, criticar-se e debater-se. Parece-me populista a opção que enveredou pelo ataque sistemático ao órgão de soberania tribunais, descredibilizando, afinal, a Justiça, que carece de consenso e crítica séria para se afirmar como último reduto da liberdade e da igualdade dos cidadãos perante a lei.
*Ex-diretora do DCIAP
A autora escreve segundo a antiga ortografia