Em 18/03/2023, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de captura internacional do presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, e da comissária para os Direitos da Criança no Gabinete daquele, Maria Lvova-Belova, por indícios de crimes cometidos na Ucrânia.
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Dias depois, em entrevista televisiva ao ministro dos Negócios Estrangeiros, foi-lhe perguntado se Portugal executaria aqueles mandados, respondendo afirmativamente. Foi pretexto para sketches humorísticos interessantes e inteligentes, mas a resposta do ministro não poderia ser outra. Portugal é um dos 123 Estados Partes no Estatuto de Roma que criou o TPI, as suas competências, admissibilidade e o direito aplicável. A sua competência restringe-se aos crimes mais graves e hediondos que afectam a paz e a harmonia na Comunidade Internacional. Referirei apenas as normas de maior relevância e que nos impõem a execução dos mandados em causa. Obviamente a questão só se coloca em tese, porquanto, na prática, não se vislumbra hipótese de Putin vir a ser encontrado no nosso país. Os crimes passíveis de serem julgados pelo TPI são os de genocídio, contra a Humanidade, de guerra e de agressão, tal como vêm definidos naquele Estatuto. O crime de genocídio contempla vários actos e factos criminosos com relevância para a transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo conflituante. O crime contra a Humanidade concretiza-se na prática de actos ali elencados, quando cometidos no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil, por meio de homicídios, deportação ou transferência à força de uma população, prisão ou outra forma de privação de liberdade, em violação das normas fundamentais do Direito Internacional, tortura, violação... O crime de guerra, entendido como violação grave às Convenções de Genebra, dirigido contra pessoas ou bens protegidos através de: homicídio doloso, tortura ou tratamento desumano, ataque intencional à população civil em geral ou civis que não participem directamente nas hostilidades, lançamento intencional de um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas de vidas humanas ou ferimentos na população civil, ataque ou bombardeamento de aglomerados populacionais, habitações ou edifícios que não estejam defendidos e não sejam objectos militares, deportação ou transferência da totalidade ou parte da população do território ocupado, violações, ataque intencional a material, unidades e veículos sanitários... No diploma que vimos acompanhando são afastadas expressamente quaisquer imunidades oficiais, nomeadamente as diplomáticas e os crimes citados são imprescritíveis. Por isso, sim, se encontrado em Portugal agente alvo de mandado de captura internacional emitido pelo TPI, este deverá ser cumprido, agora, amanhã e sempre enquanto formos subscritores daquele Estatuto.
Ex-diretora do DCIAP