O objetivo anunciado pelo Governo de atingir a neutralidade carbónica antes de 2050 é positivo. Este deve ser um desígnio nacional, onde o consenso político entre os principais partidos é claro e saudável.
A antecipação em, pelo menos, cinco anos, estabelecido pela lei de bases do clima é importante para o país e para o contributo que Portugal pode dar nesta matéria. Mas a escolha das opções de política pública com vista a alcançar esse objetivo deve ser ponderada, bem como medidos os impactos das políticas públicas adotadas. De outra forma, podemos ser conduzidos a resultados indesejáveis.
Prevê a Proposta de Orçamento do Estado para 2024 o agravamento do imposto único de circulação (IUC) para os veículos cuja matrícula seja anterior a 2007. Esta medida, enquadrada como Reforma Ambiental do IUC, visa incentivar a renovação da frota automóvel. Ora, passarão a pagar mais imposto os carros mais antigos, nalguns casos com agravamentos superiores a 200%. Este aumento sentir-se-á ao longo dos próximos anos, afetando - desta forma - milhares de pessoas. O Governo estima arrecadar cerca de 98 milhões de euros com este aumento do IUC.
Se a medida visa a renovação da frota automóvel, será esta opção de agravamento fiscal apta a consegui-lo? A resposta é, infelizmente, negativa. Precisamente, porque as pessoas que mantêm carros com matrículas anteriores a 2007, na sua esmagadora maioria, são aquelas que não tiveram dinheiro para comprar carros novos. E numa altura como a que vivemos, com o aumento brutal do custo de vida, mudar de carro não é certamente uma prioridade de milhares de famílias.
Atendendo ao padrão dos últimos anos, com recordes anuais de arrecadação de receita fiscal, e que colocam Portugal no topo do grupo de países que têm uma maior carga fiscal, não é de estranhar que o verdadeiro objetivo desta medida não seja meramente de cariz ambiental. Até porque surge associada a uma necessidade de compensar a anunciada redução das portagens. Uma medida que, certamente, está longe de estar relacionada com a proteção do ambiente.
Em termos práticos e com esta opção, o que o agravamento brutal do imposto único de circulação vai fazer é sobrecarregar ainda mais as pessoas mais pobres. Trata-se, assim, de tributar a pobreza. Haverá, certamente, medidas mais adequadas para atingirmos as metas climáticas a que nos propomos. Esta não será, sobretudo no contexto em que vivemos, a mais adequada.
