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O ministro da Administração Interna pediu desculpas públicas pelo sucedido no dia das eleições, e a "sobrecarga de afluxos" já levou à demissão de dois directores-gerais. A verdade é que, por esta razão, houve eleitores que desistiram de votar, fosse porque se cansaram de esperar nas filas que se formaram, fosse porque, prevenidos pela Comunicação Social que dramatizou a situação, preferiram ficar em casa, num dia frio de Inverno. Explicar-se-á assim, pelo menos em parte, a razão de a abstenção ter atingido o número recorde de 53,37%, superior à verificada nas eleições de 2001 que ditaram a reeleição de Jorge Sampaio, em que tinha sido de 50,29%.
Mas, quer-me parecer que o ruído à volta deste problema técnico é exagerado. A verdade é que a quem se absteve, e foram muitos, não apeteceu votar. Se assim não fosse, teria havido agitação, protestos, e as pessoas não teriam arredado pé antes de exercerem o seu direito de voto.
Há quem julgue que, a exemplo do Brasil, se deveria impor o voto obrigatório mas, como os portugueses não estão habituados a conjugar direitos com obrigações, parece improvável que surja um consenso nesse sentido. Também é verdade que haveria mais votantes se, porventura, se alterassem e simplificassem os procedimentos. Também a exemplo do Brasil, tudo se tornaria mais fácil, quer no acto de votar quer no posterior escrutínio, se se recorresse ao voto electrónico, que permitiria, inclusive, que o eleitor votasse em qualquer mesa de voto, desde que o seu número de eleitor estivesse correlacionado com o círculo eleitoral. Por outro lado, seria conveniente repensar o horário das assembleias de voto, que poderia ser estendido por mais horas, e admitir a possibilidade de as eleições decorrerem em dias úteis, como é o caso em muitos países anglo-saxónicos. Se o eleitor puder votar num local da sua conveniência, seja à ida para o trabalho, seja durante a hora do almoço, seja no seu regresso a casa, estou certo que haverá muito menos abstenção preguiçosa.
Mais difícil de resolver é o desinteresse que os eleitores revelam pelas propostas que lhes são feitas. E o problema não reside, apenas, nos partidos políticos tradicionais, já que nesta eleição presidencial havia várias escolhas à margem desse sistema, não tendo sido, apesar disso, suficiente a mensagem dos candidatos para atrair o interesse do eleitor. Pelo contrário, e relativamente a 2006, os votos em branco quadruplicaram, os votos nulos duplicaram e os votos continentais em José Manuel Coelho (já que os votos madeirenses foram de índole bairrista) deram conta do desafecto dos cidadãos pela política, ou pelas propostas que lhe são feitas.
Dir-se-á, em abono da verdade, que a campanha não foi motivadora. Havia um vencedor anunciado, como sempre acontece nas reeleições presidenciais, e discutiu-se muita coisa que nada tinha que ver com as competências do cargo de presidente da República. Mas, a realidade é que o eleitor sente que o seu voto deixou de ser a sua arma política, porque o seu exercício em nada altera o estado de coisas. E isso é um sintoma grave numa sociedade democrática, que não propriamente de défice democrático, uma vez que os eleitores utilizam a abstenção como forma de demonstrar a sua insatisfação e descontentamento. Democraticamente protestam. Não vão. Abstêm-se, votam nulo, afastam-se. Mais uma vez, houve um sentido de protesto nesta abstenção maciça e não vale a pena tentar tapar o sol com a peneira invocando trombas-d'água no sistema informático...