<p>Após reflexão profunda", Cavaco decidiu anunciar a sua recandidatura a Belém. Após negociações prolongadas, com um fracasso pelo meio, o PSD decidiu finalmente viabilizar o Orçamento. Após ter visto o PSD romper as negociações, o PS e o Governo fizeram mais um esforço e deram um passo para que Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga pudessem sinalizar-nos o futuro com fumo branco. Tudo, digo eu, a bem da Nação.</p>
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Os adjectivos e os auto-elogios multiplicaram-se no discurso de Cavaco Silva. O presidente considera que, nos últimos cinco anos, foi o nosso farol e que sem ele estaríamos pior. Mal como estamos, estranha-se que alguém se elogie por ter conduzido, ou deixar conduzir, a carroça até aqui. Nem vale a pena citar casos, mas lembramo-nos todos de como Cavaco não quis tomar a iniciativa de forçar acordos que suprissem a falta de uma maioria absoluta. Das escutas à lei do aborto, passando pelos casamentos gay, Cavaco Silva foi sempre um presidente pouco entusiasmante e errático. Errático não quer dizer pouco sério, que isso Cavaco não é. Possivelmente, ante as hipóteses que nos calharam, ele foi o melhor que nos aconteceu. Mais: com toda a certeza, perante os candidatos que se perfilam, ele será o melhor presidente. Basta ver como Manuel Alegre está amarrado de pés e mãos entre um BE e um PS cada vez mais distantes, cada vez mais incapazes de serem "a" Esquerda . Chega a fazer pena ouvi-lo sobre determinadas matérias, desde logo sobre o Orçamento, a propósito do qual lançou alguns lugares comuns. Imagine-se o entusiasmo que será a sua campanha, entre um BE feliz por ter imposto um candidato que incomoda os socialistas e um PS de riso amarelo a fazer uma campanha que o seu eleitorado claramente rejeita. Cavaco avisou que não gastará muito dinheiro na campanha e não recorrerá a outdoors. Pura demagogia, pois ele é suficientemente conhecido em todo o país e, além disso, os outros candidatos darão, como se costuma dizer, pouca luta.
Do lado do PSD, pelo que se diz, as reflexões também foram profundas. Alguém acredita? Ou não será verdade que Passos Coelho há muito sabia que não tinha escolha? Antes mesmo de banqueiros, parceiros europeus, conselheiros de Estado, gestores , antigos líderes do partido e muita outra gente lançar um apelo pela viabilização do OE, já Passos Coelho sabia o que ia fazer. O que ele precisou, e nisso gastou o seu tempo, as suas energias e possivelmente alguma da credibilidade do país e de si próprio, foi de mostrar que o Governo precisava de si, que o país precisava de si, que os erros do Governo nos afundariam se ele não se abstivesse. Dito sem ironia: o PSD quis vender cara a sua abstenção, quis encostar o PS às cordas, mas não é certo que o comum dos mortais que sentirá na pele as agruras da crise tenha apreciado e compreendido o seu gesto. O que agora pareceu, ao contrário do que sucedeu quando Passos chegou à liderança, é que, desta vez , o partido e o seu líder pensaram sobretudo em si próprios, pensaram mais nos louros que podiam recolher do que no país.
O Governo, vistas as coisas pelo seu lado, acabou também por ceder. Não se percebe é porque não o fez mais cedo. E não se percebe - continua por explicar - como pôde a máquina do Estado descontrolar-se tanto, deixando o défice chegar onde chegou. Ninguém acredita que Teixeira dos Santos tenha adormecido, pelo que as hipóteses que restam são pouco abonatórias: ou se seguiram políticas eleitoralistas desastrosas, ou se acreditou que o refluxo demoraria mais tempo, ou não se leram os sinais.
As sondagens mostram uma viragem. Mas sem maioria absoluta. Possivelmente, nas próximas eleições debater-nos-emos com o mesmo problema. E as perguntas mantêm-se: algum dia este PS e este PSD poderão chegar a um acordo? E este presidente será capaz de os aproximar?Temos, como tem sido dito, duas crises: um grave aperto económico e falta de lideranças carismáticas. O pior é que, com o rumo que as coisas levam, será cada vez mais difícil que a política atraia os mais competentes, os mais respeitadores da ética e dos princípios que sempre devem pautar a vida pública.