Pela primeira vez em muito tempo no meu avião da British Airways não havia ninguém de máscara. As famílias conviviam alegremente em todas as letras da fila 26, trocando espirros e carinhos com as da frente e os de trás. A pandemia acabou.
Os sistemas de segurança e fiscalização deixaram de ser uma garantia e passaram a ser uma chatice e tudo parece normal. Como aconteceu há 100 anos com a gripe espanhola, também foi de repente que a covid desapareceu.
Na primeira coluna que escrevi com esta palavra, em março de 2020, fui ao dicionário das citações e descobri uma frase do escritor francês Stendhal que me serviu de mote a muitas reflexões desde então: "pior que o medo, é o medo do medo".
Percebo hoje que, quando escrevi a frase pela primeira vez, usei-a com leviandade, pois acreditava que os sistemas de saúde - nomeadamente na Europa - estariam mais bem preparados e equipados para lidar com o número de doentes que surgiram. O colapso dos hospitais foi dramático.
Mas sem perder pela demora, o sentido que pensei para a frase havia de consumar-se agora - mais de dois anos depois de o vírus se ter tornado omnipresente nas nossas vidas - quando de repente desapareceu e foi substituído por outro mais jovem e poderoso: o medo da guerra.
Mas mal a Rússia e a Ucrânia - com sua dor real e protagonistas novelescos - ocuparam o centro da narrativa, logo o medo mudou de lugar; e dando razão ao escritor, ficando o medo do medo maior que o medo em si.
A solidariedade dos homens transferiu-se da enfermaria para o campo de batalha seguindo o costumeiro jogo de sombras em que operam os interesses instalados: de um lado os testes, do outro as armas. Tudo como dantes... tudo como dantes.
Especialista em Media Intelligence
