No dia 5 de maio de 1955 entrava em vigor o Tratado entre a Alemanha e as potências aliadas vencedores da II Guerra Mundial que punha fim à ocupação da Alemanha após a guerra. Por coincidência (ou não...), foi também no dia 5 de maio que, esta semana, o Tribunal Constitucional alemão pronunciou uma decisão em que, invocando a proteção da democracia alemã, coloca fortes limites à participação alemã nos esforços de mutualização do risco na União Europeia.
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Poupo aos leitores os detalhes e múltiplas consequências da decisão, para me centrar no essencial que dela resulta para a resposta europeia à atual crise económica. O TC alemão reafirma que o respeito pela democracia imposto pela Constituição coloca fortes entraves ao grau e formas de mutualização do risco (e dívida) com os outros estados da União Europeia. Para o tribunal alemão isso teria consequências quer ao nível da autonomia orçamental e financeira da Alemanha (parte da sua autodeterminação democrática) quer ao tornar o povo alemão corresponsável por decisões (de outros estados) sobre as quais não tem poder democrático. O TC alemão considera que é isso que pode estar a ocorrer, nomeadamente, através da mutualização indireta da dívida que é inerente ao programa de compras de dívida pública do BCE. Esta decisão cria fortes obstáculos à participação alemã na política do BCE tornada famosa pela expressão de Draghi de que faria "tudo o necessário" para salvar o euro e evitar o agravamento do diferencial das taxas de juros entre estados-membros (e que tem permitido a Portugal financiar-se nos mercados a baixo custo). Adicionalmente, esta decisão será seguramente invocada pelo Governo alemão para limitar os níveis de mutualização do risco e solidariedade entre estados-membros no âmbito das discussões sobre o fundo de recuperação económica europeu. Corremos o risco de passar de fazer "tudo o necessário" para fazer apenas o que é possível.
Eis o risco em que incorre o projeto europeu quando é entendido e discutido de forma paroquial em cada Estado-membro, sem atender ao ponto de vista dos outros estados-membros. As críticas que o TC alemão faz à política do BCE, como os custos que as baixas taxas de juros impõem aos aforradores (sendo a Alemanha um país de aforradores) ou a criação de bolhas imobiliárias e bolsistas, revelam uma visão "nacional" da política do BCE que é condenável. Mas também devemos aproveitar para não esquecer as vezes que avaliamos a política do BCE apenas à luz dos nossos interesses. Para conseguirmos fazer o necessário na Europa temos de começar por reconhecer os interesses dos outros. Senão acabaremos a fazer apenas o possível.
*Professor universitário