A indefinição da situação política grega parece ser, neste momento, o maior agitador de compulsões em toda a União Europeia. A convocação de eleições legislativas antecipadas após a recusa parlamentar em eleger, à terceira tentativa, Stavros Dimas para presidente não é só a gota de água que faz transbordar o copo.
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O ex-comissário europeu e diversas vezes primeiro-ministro, enquanto candidato apontado pelo Governo do conservador Antonis Samaras (Nova Democracia) e apoiado pelo PASOK, jogou as suas três cartadas à medida que fazia crescer a espiral do medo e antagonismos no povo grego. Num país destruído pela troika, onde o principal desígnio da redução da dívida se revelou um fracasso total (a dívida passou de 129% do PIB em 2009 para 179% em 2014), onde o desemprego atinge cerca de 30% da população, onde os cortes na saúde e na educação puseram em causa direitos da própria Carta dos Direitos Fundamentais da UE, onde 75 000 postos de públicos foram suprimidos num só ano, onde 180 000 pequenas e médias empresas fecham portas... Num país como esta Grécia, o parlamento não elegeu o presidente que o Governo teimou em impor.
Tracem-se os paralelismos... Pensaram ser credível que a Grécia desrespeitasse a sua Constituição, rejeitando eleições só porque um partido de Esquerda como o Syriza se mantém líder nas sondagens e promete romper com as políticas de empobrecimento (à semelhança do que está a fazer na região de Ática, que eleitoralmente ganhou e onde os resultados saltam à vista) e de negação do óbvio? Eis a reestruturação da dívida, cada vez mais na ordem do dia, quando tantos já perceberam que ela só não existe por medo da agressão de um protectorado de especuladores a viver a política como se vive nos submarinos. Navegam, protegidos da vista, em águas turvas. Nunca perdem o contacto com a superfície. São inquebrantáveis na procura dos alvos e só sossegam pela execução das suas políticas de ultraje, independentemente da soberania e dos programas políticos dos países que atacam. Pintam o fim da história com o sobressalto da inevitabilidade e, mesmo quando é evidente o seu fracasso, não resistem a diabolizar a alternativa. Os mesmos chavões e a imposição pelo medo. E é por isso que o último relatório da Federação Internacional das Ligas do Direito do Homem sobre a situação grega é completamente desconsiderado e apagado da espuma dos dias.
Em compensação, a pressão sobre a soberania dos estados é atravessada a corte espada, como faca sobre manteiga aquecida. Annika Breidthardt, porta-voz da Comissão Europeia, anunciava o apoio da instituição a Stavros Dimas. Depois, Pierre Moscovici (comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros) salta para Atenas abraçando as reformas como o Santo Graal. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, não tem mãos a medir. A ingerência sente-se e é insuportável! O estado de nervosismo dos aparelhistas europeus visível, neste autoritarismo antidemocrático de quem pensa que agitar a bandeira do medo é um acto de bom senso face aos perigos de uma Europa desunida fruto de gregos com mau comportamento. A insistência cega nas políticas que levaram Grécia e Portugal a este beco (quase) sem saída é tão criminosa como o autoritarismo destes burocratas de cartilha, tão habitualmente soberanos na distribuição do jogo nos seus mapas de império, que acabam por achar prepotente e irresponsável a democracia dos outros.
Com a união parlamentar dos "out of the box" gregos (Syriza, Esquerda Democrática, Partido Comunista e Aurora Dourada), o ex-candidato a presidente apoiado pela coligação no poder obteve 168 votos (os mesmos da segunda volta) e nem mais um. Eram necessários 180. Com o Syriza a ser apontado como o próximo vencedor das eleições gregas, caberá a Alexis Tsipras liderar a crise de nervos europeia face às novas políticas de crescimento e de combate ao empobrecimento, pelo crescimento e pelo investimento público, pela reestruturação da dívida. Enquanto em Espanha, "nuestros hermanos" tratam de saber se também eles elegem um "Podemos", em Portugal fechamos os olhos às papeladas desaparecidas nos gabinetes-submarino de Portas, fazemos vista grossa aos vistos "gold" de Paulo e contamos as encomendas diárias para José Sócrates, obviamente rejeitadas pelo estabelecimento prisional que pretende fazer cumprir a legislação que o próprio ex-primeiro-ministro aprovou... Nem mais um voto? Só de bom ano de 2015 para todos os leitores, a espreitar gregos e espanhóis, vendo-os a tomar conta das rédeas da sua própria vida.
MÚSICO E ADVOGADO