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Uli Hoeness não é um simples e anafado alemão, até à última semana ocupante - e por décadas - da presidência do Bayern de Munique. O dirigismo no emblema colosso bávaro dar-lhe-ia sempre importância e visibilidade, mas Uli Hoeness junta-lhe um passado de prestígio como futebolista. Metendo técnica e velocidade num corpanzil respeitável, colecionou múltiplos títulos, de um campeonato da Europa e um Campeonato do Mundo (72 e 74) a três Taças dos Clubes Campeões Europeus. Associado a muitos milhões de euros faturados, incluindo os resultantes da sua posição societária numa fábrica de salsichas, um currículo assim teria tudo para o ajudar a insinuar-se e retardar os efeitos das leis criminais germânicas. Acontece que o agora já ex-líder do Bayern de Munique resolveu contrariar a tendência da esmagadora maioria dos ricos e poderosos quando apanhados em ilicitude.
No espaço de um ano, Uli Hoeness passou do epicentro de um falatório à condenação a três anos e meio de cadeia por fraude fiscal. Não tugiu nem mugiu! Isto é, declinou a hipótese de recurso e está pronto a ir para trás das grades.
Uli Hoeness não é, com certeza, um poço de virtudes. Quem deposita 33 milhões de euros num banco suíço sem os declarar para efeitos fiscais não o faz por mera distração. Simplesmente, é de enfatizar todo o processo sequencial desde a altura em que Uli Hoeness percebeu estar a ser investigado. Em vez de correr riscos de lhe caírem os dentes todos como castigo para uma profusão de mentiras debitadas, confessou os pecados para os quais, note-se, o sistema judicial alemão não prevê atenuantes. Em tribunal, tudo somado, aceitou as contas das Finanças - 27,2 milhões de euros de dívidas fiscais - e deu instruções aos seus advogados para não recorrerem da condenação a pena de prisão efetiva por considerar que tal corresponde à sua "ideia de decência, conduta e responsabilidade pessoal".
Aqui chegados, são inevitáveis as comparações, mesmo podendo ser precipitada a catalogação dos figurões entre anjos e demónios. E por diretamente influenciar as nossas vidas, o caso nacional é, de todos, o de mais flagrante contraste.
Para lá de algumas leis terem transformado a Justiça em mera cobradora de impostos - assim se passa, por exemplo, com muitos dos intérpretes da Operação Furacão, os quais se safam dos crimes praticados ao regularizarem dívidas fiscais -, em Portugal, e para desespero da faturação de muitos escritórios de advogados, está ainda para nascer um tipo do género Uli Hoeness.
Leis permissivas e contemporizadoras são apenas uma das poções de um coquetel que contém sucessivos artifícios para recursos - até à prescrição de crimes. Uma vergonha!, como está a suceder no esquema de passa-culpas para os recentes casos a envolver ex-banqueiros do BCP, BPP e BPN.
A Justiça é hoje um dos maiores empecilhos à existência de um Estado Democrático respeitado em Portugal. Não há sequer um tipo Uli Hoeness a ajudá-la a fazer de conta......