Rui Tavares, deputado do grupo "Os Verdes" no Parlamento Europeu, apresentou no princípio da semana, em Bruxelas, o "Projeto Ulisses" - uma iniciativa inédita que justificou a realização de uma conferência em que tive o privilégio de participar. Na verdade, o "Ulysses Project" é um programa de resgate da própria Europa, hoje atolada numa incipiente união monetária que embora ainda consiga proteger alguns estados-membros da crise económica e financeira internacional, está a provocar os efeitos mais dramáticos e perversos nos países da periferia, por força da imposição cega das políticas de austeridade que continuam a agravar os desequilíbrios financeiros nacionais, comprometem o reembolso dos credores, aguçam os apetites da especulação e lançam milhões de cidadãos europeus no mais desamparado desespero.
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Como o montante dos empréstimos é consumido pelos juros, a dívida continua a crescer e a justificar novos cortes orçamentais, na tentativa de alcançar um equilíbrio financeiro, todavia, cada vez mais distante. À maneira de Sísifo, os gregos parecem condenados por toda a eternidade a arrastar pela montanha acima um pedregulho que torna a resvalar encosta abaixo sempre que está prestes a alcançar o topo. Aprendamos com a Grécia!
O testemunho prestado pela delegação grega que compareceu na conferência é absolutamente devastador: vítimas de cancro sem tratamento porque não têm dinheiro para o pagar, doentes crónicos que deixaram de poder adquirir os medicamentos indispensáveis, o regresso doloroso da estigmatização dos doentes com sida, o desespero dos que perderam o trabalho, a fome nas escolas, o ódio aos estrangeiros, a perseguição dos imigrantes, a violência instalada numa sociedade dominada pelo medo. É esta a condição a que foi reduzido este povo que há 2500 anos construiu a "democracia ateniense", a inspiração original das instituições públicas e dos padrões de cidadania atuais, os autores de uma herança histórica e civilizacional que reclamamos como nossa e de que pretendemos continuar a ser um farol no Mundo.
A vida quotidiana na Grécia, após três anos de "resgate", é uma fábula assustadora daquilo em que se vai transformar a Europa caso não consiga, em tempo útil, enveredar por outro caminho. A própria realidade se encarregou de desmascarar a pretensão cínica de que o caso grego seria uma singularidade étnica, o resultado fatal de um condicionalismo climático ou porventura biológico, perigosas fantasias decalcadas das narrativas construídas no passado para legitimar o colonialismo e a escravatura pela indolência "natural" dos indígenas dos trópicos e outros cruéis preconceitos. Falhada a tentativa de responsabilizar exclusivamente os gregos pelos erros e a hipocrisia comuns, revela-se com toda a sua brutalidade, a mais grave quebra de solidariedade registada em toda a curta história da União, a verdadeira causa das aflições presentes.
Apoiado numa parceria que envolve a Grécia, a Itália, a Espanha, Portugal e a Irlanda, o "Projeto Ulisses" denuncia as assimetrias de desenvolvimento que têm vindo a agravar as diferenças entre o centro e a periferia e, em alternativa, propõe, precisamente, "o relançamento da Europa a partir do Sul" - um paradigma de desenvolvimento construído a partir da ideia de um "novo contrato político, social e económico, ambientalmente sustentável" - um "new green deal" estrategicamente orientado para responder aos desafios da coesão social e territorial, para o combate à corrupção, o reforço da democracia e a criação de "polos de desenvolvimento" como, por exemplo, a criação de uma "universidade federal europeia".
Pior do que a crise financeira internacional, é a crise de solidariedade que hoje ameaça a União e divide os seus povos. A Europa precisa de um novo federalismo que reinvente os "checks and balances" tradicionais e, sobretudo, que retire ao Conselho a liderança que anteriormente consentia à Comissão para submeter a governação e a tomada de decisões políticas da União a uma instância própria de representação democrática europeia, ou seja, um novo parlamento europeu.