A travessia das contas públicas nesse deserto árido chamado Novo Banco é tão longa que tem a capacidade de nos adormecer a inquietação.
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Injetarmos camiões de dinheiro no banco mau que depois se transformou em bom mas continua horrível, tornou-se tão banal que até o primeiro-ministro foi surpreendido com a mais recente transferência de 850 milhões de euros oriunda dos cofres do Estado. Logo ele, que nunca se deixa apanhar em falso. Mário Centeno "esqueceu-se" de avisar António Costa e o primeiro-ministro "esqueceu-se" de informar o Parlamento que tinha sido passado um novo cheque no âmbito deste assalto programado aos nossos impostos. Mas um detalhe de 850 milhões de euros nunca pode ser um detalhe. Sobretudo se, momentos antes, o primeiro-ministro, numa resposta a Catarina Martins, coordenadora do BE, tinha garantido que "até haver resultados da auditoria (às contas do banco) não haverá qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução". Estava enganado, como a realidade se encarregou de provar poucos momentos depois. Costa pediu desculpa a Catarina Martins e, indiretamente, quero acreditar, ao país. Porque o Novo Banco ainda não esgotou os quase quatro mil milhões de euros que pode pedir. Na prática, ainda lhe é permitido reclamar mais mil milhões ao fundo que é alimentado por nós. É como se fôssemos convidados para um festim protagonizado por uma doença terminal: depois de comer a carne, o bicho ainda aproveita os ossos para fazer música.
Ora, não fosse tudo isto insuportável, ainda ficámos a saber que, em ano de prejuízos (2019), o Novo Banco pagou, à cabeça, um bónus de 320 mil euros para contratar um gestor irlandês ao Allied Irish Banks. Não deixa de ser admirável que um banco que acumule prejuízos e ostente uma carteira forrada a créditos malparados consiga agitar cenouras tão suculentas no mercado laboral. Mas, lá está: o facto de não haver vergonha não apaga o facto de continuar a haver dinheiro. Para o bem e para o mal (mais para o mal, muito mais para o mal), o Novo Banco continua a ter o Estado como fiador. E, sobretudo, como cúmplice.
Diretor-adjunto