Para um decisor na capital, parece que cada metro fora dela se transforma num quilómetro. Por isso, tudo o que esteja extramuros fica invisível ou tão irritantemente visível como uma mosca varejeira. Só isso explica, suponho, a peculiar decisão de transferir para Lisboa o programa "Praça da Alegria".
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Vai-se muito além de coisa menor. Do que se trata é do assassinato de uma marca: pois desde há mais de quinze anos que o Centro de Produção do Porto assegurava as manhãs do primeiro canal do serviço público de televisão.
Não é que interesse, mas o "Praça da Alegria" tem audiências e share acima da maior parte da restante programação do serviço público; nas reacções dos espectadores, está no topo; tudo indica que, indo para Lisboa, ficará a produção mais ou muito mais cara; e, como também se sabe, aquele que é apontado como futuro apresentador (João Baião) elevará de certeza a dimensão cultural do serviço público a níveis excitantes, com doses fortes de música clássica ou erudita.
Mas, tanto ou mais importante do que tudo isto, a decisão destrói uma marca fundamental: a representação de uma parcela de população que, goste-se ou não do seu sotaque, é portuguesa e se revia até agora na RTP. Com uma perspectiva de Jardim Zoológico, não faltará quem venha dizer que não, que o novo "Praça de Lisboa" até acolherá a etnia do Norte, sendo muitíssimo capaz de representar todos. Mas só se atreverá a dizer tal quem pouco percebe sobre o serviço público de televisão, a sua função pluralista (que implica a representação transversal do país), o papel que localmente deve reconhecer aos pequenos produtores, aos produtores independentes, aos diferentes atores sociais, etc. Ou estarão as cabeças pensantes que congeminaram esta estratégia esdrúxula a antecipar que as gentes do Norte irão dia após dia em peregrinação à capital para surgirem na pantalha? Obrigado, mas não.
Tal como as coisas estão, resta esperar por aquilo que a RTP pensou para compensar este gigantesco buraco que escavou. Logo veremos.
Um segundo tópico, para nos animar. O Governo quer "refundar" o Estado (quer refundar-nos), ficando a cirurgia em 4 mil milhões de euros, mais uns trocos - há sempre mais uns trocos. Mas, como mostrou de forma lapidar um programa recente da SIC, o BPN pode vir a "refundar-nos" em cerca de 7 mil milhões de euros. Deste modo, a "refundação" do BPN pode valer perto de duas vezes a "outra" que ainda aí vem para mal dos nossos pecados.
Oliveira e Costa y sus muchachos (e quantos muchachos tem esta história!) elevaram uma certa forma de portugalidade menor a patamares únicos. Bem sei que tudo aquilo tresanda a gigantesca falcatrua, de que demasiados tinham conhecimento ou que demasiados não podiam desconhecer. Mas o monstro é tão monumental que acaba por ser admirável pela escala. O mínimo é que, perante tão glorioso despautério, agradeçamos e nos disponhamos a pagar. Queiramos ou não.
A concluir: estou muito preocupado. Anda pr'aí uma espécie de Baptista da Silva a piratear de forma inadmissível a página do primeiro-ministro no facebook e a escrever coisas em seu nome. O nosso primeiro fez um discurso de Natal resplandecente, onde anunciou que o Governo já realizou a esmagadora maioria das reformas. E eu até concordo, sugerindo apenas a correção de um lapso na ordem das palavras. Porque fica melhor assim: as "reformas" do Governo são esmagadoras para a maioria.
Agora, um tal de "Pedro", que não sei quem seja, escreveu uma coisa melosa e triste, que mete avós, netos, prendas e falta de comida na ceia de Natal: uma condessa de Ségur lusitana. Onde o "Pedro" é sofrido, o primeiro-ministro é radioso e optimista. Onde aquele fala de choupanas, Pedro Passos Coelho promete-nos amanhãs que cantam e novas oportunidades. Como não concebo que estejamos perante um caso de dupla personalidade ou de propaganda básica, uma só conclusão se impõe: houve marosca.
Alguém alerte o primeiro-ministro, se faz favor.