Esta semana o país político fecha o seu ano de atividade formal com dois eventos marcantes. O debate do estado da nação, centrado no Parlamento e a reunião do Conselho de Estado. O debate do estado da nação foi previsivelmente diferente de debates recentes acontecidos naquele palco. Desta feita, a vantagem pendeu radicalmente para o lado da Maioria e do Governo. Perante uma Oposição coerente, mas persistentemente desfasada da realidade - a CDU e o Bloco de Esquerda - e uma outra - o Partido Socialista - dilacerada por uma fratricida crise de liderança, o périplo parlamentar constituiu um passeio alegre para o primeiro-ministro.
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Passos Coelho, que esteve uns furos acima das suas últimas prestações, não necessitou de grande empenho para golear. Bastou-lhe visitar pedagogicamente os últimos dados relativos aos resultados recentes da sua governação. Bastou-lhe ser factual. Lembrou a "saída limpa" do período mais apertado de tutela internacional, recordou os últimos indicadores económicos e valorizou a descida sustentada do desemprego. Teve espaço para ser humilde e realçar um estado de consciência plena quanto ao sofrimento ainda presente de muitos milhares dos seus concidadãos.
Finalmente, e de novo com uma eficiência não evidente no passado recente, encostou totalmente o Partido Socialista à governabilidade que conduziu à crise e à pré-bancarrota, bem como ao essencial das orientações políticas dos últimos três anos. Recordando quem as negociou e subscreveu - o governo PS, liderado por José Sócrates.
António José Seguro ziguezagueou cambaleante pelo meio das contradições de que nunca seria fácil libertar-se.
A primeira, estruturante, tem a ver com a vacuidade de uma Esquerda que não consegue encontrar o norte no meio da atual conjuntura europeia. A busca de um equilíbrio entre a Oposição às opções austeras de política económica, agradando à sua base social de apoio e a afirmação de uma postura responsável, de acordo com os atuais compromissos internacionais, resulta num fio de navalha estreito e perigoso. Foi este mesmo dilema que conduziu os seus parceiros europeus a um resultado desastroso nas últimas eleições europeias.
A segunda, que decorre de liderar um partido e um grupo parlamentar balcanizados, o que obriga a que as suas intervenções tenham que estar muito mais formatadas para ganhar os seus do que para ganhar o país.
No final do seu discurso hipercrítico, claramente para consumo interno, ainda esboçou uma hipótese de discurso alternativo. Em poucas linhas, em dois ou três minutos. Terá sido pior a emenda que o soneto. O enunciado foi anárquico, casuístico, sem coerência global e facilmente contrariável. Propor o fim já previsto da contribuição especial de solidariedade, o aumento já preanunciado do salário mínimo, a diminuição do IVA na restauração, o aprofundamento do investimento público como vetor determinante do crescimento económico, o pagamento imediato das dívidas do Estado à economia e aos cidadãos e a aceleração do processo de utilização das verbas afetas ao novo quadro de apoio europeu a Portugal é globalmente pobre como proposta por parte de um partido que aspira legitimamente à alternativa.
Assim, permitiu-se que o líder do Governo não fosse confrontado com o futuro próximo, esse sim desafiante e dubitativo. Com a discrepância entre um crescimento económico frouxo e a ambição que decorre do cumprimento das metas consagradas nos tratados que subscrevemos, com a relativa pobreza do guião da reforma do Estado, entre muitos dos desafios para os quais os atuais líderes ainda não deram explicações plausíveis e muito menos entusiasmantes.
Sobre o Conselho de Estado, e nos limites das fronteiras a que eticamente me devo submeter, só posso dizer que Cavaco Silva mantém a trajetória de indiscutível coerência que tem pautado os seus mandatos. O presidente tem tentado empurrar os principais atores para aproximações que tornasse mais fácil o penoso trilho a que estamos amarrados. No 10 de Junho amarrou os partidos do arco da governabilidade a uma datação, o momento de debate e aprovação do próximo Orçamento do Estado. Ninguém valorizou essa "nuance", eu faço-o. Nessa data já serão conhecidas as decisões do Tribunal Constitucional que condicionam as principais medidas de política orçamental para o próximo ano e meio, nessa data já estará clarificada a vida interna da força política que aspira à substituição da atual Maioria, nessa data já será percetível qual a dinâmica futura do PS, ou seja, se pode aspirar a uma maioria larga para governar sozinho.
Nesse momento, face ao comportamento dos partidos, poderá eventualmente realizar-se uma outra reunião do Conselho de Estado, essa porventura verdadeiramente crucial. Mas se tal vier a acontecer, era necessário que a de hoje tivesse sido concretizada. Esta, numa lógica desportiva, trata-se de um desconto de tempo regulamentar, um aviso de verão, a do outono - se vier a acontecer - será a de observação do desenlace de um disputado "match point".