A entrevista que hoje publicamos com o presidente do BES é reveladora das novas partilhas sociais às quais são chamados os detentores de capital e os produtores de trabalho. Sentado numa memória de vida invejável, que atravessou todos os regimes políticos conhecidos e todas as crises modernas, Ricardo Salgado veio dizer-nos o que cada um de nós poderia intuir.
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Com uma diferença: fazendo a síntese que dificilmente qualquer de nós seria capaz. Simplesmente porque na tempestade perfeita que estamos a atravessar, o mais humano é que cada um cuide de se salvar e aos seus. Sendo que estes seus já são para muitos apenas os familiares e os muito amigos. Eis porque as corporações e os partidos políticos mostram tanta dificuldade em reunir os seus fiéis e mais ainda em alterar a favor dos seus ideários relações de forças transformadas em relações de fraquezas coletivas.
Com a sobriedade inerente a quem lidera uma instituição financeira, além do mais privada, Ricardo Salgado não deixa de responder a questões políticas centrais, seja para apontar Mário Draghi como a exceção emergente no crepúsculo da antiga e clássica constelação de líderes europeus, seja para fazer um ato de fé na viragem apontando o seu centro geodésico, ou seja, "a própria Europa" que "já está a questionar a austeridade".
As palavras de alguém como Ricardo Salgado, que conseguiu navegar ventos como os das nacionalizações pós-25 de Abril ou os das crises latino-americanas da década de 80, têm necessariamente o peso de uma consciência que, para além dos valores, vive da memória e do que ela consegue medir e pesar, relacionando factos e comparando-os. Frases como "nunca vi crise tão destruidora de emprego e riqueza" ou "a queda salarial continuará até vermos luz ao fundo do túnel", ou ainda "há um grande desânimo entre os empresários [...] e não é com desânimo que podemos relançar a economia" encerram o valor extra de uma história pessoal e empresarial da qual não prescindiram nem regimes políticos, nem governos de cores e matizes diversas.
Eis porque vale também a pena reter algumas opiniões de Ricardo Salgado sobre a temperança fiscal para o crescimento económico: "Estas medidas violentíssimas no IRS e no IVA têm de regredir" ou "poderia ter sido evitada a cavalgada do IVA para as empresas de restauração que absorviam muito emprego" ou ainda, a propósito do IRC, que "temos de cair para um nível atraente para o capital estrangeiro".
É provável que esta entrevista e estas opiniões venham a ser (in)devidamente aproveitadas à Esquerda e à Direita, sendo certo que, de todas as deduções que possamos fazer do pensamento político deste líder da finança, há uma opinião verdadeiramente cristalina: "Para sairmos desta crise precisamos de concertação europeia".