A apresentação do Programa do Governo não trouxe, como era de esperar, grandes novidades.
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Excluindo o aumento das pensões, o alargamento das ajudas aos desempregados, a abertura para retomar, rapidamente, o diálogo com os professores e um delicados recados sobre o magno problema da corrupção, ouviu-se o óbvio: o Governo sublinhou a legitimidade política que o "povo" lhe conferiu nas urnas e repetiu as ideias e as promessas que constavam do programa com que se apresentou ao eleitorado; a Oposição a carregar nas tintas negras e a lembrar ao primeiro-ministro que a maioria absoluta está agora no Parlamento - isto é: na Oposição. Enfim, um bocejo...
Meio bocejo, em boa verdade. Paulo Portas e Francisco Assis, líder parlamentar dos socialistas, animaram a coisa. O primeiro, quando apresentou o seu caderno de encargos a José Sócrates, abrindo-lhe uma janela por onde podem passar os ventos do consenso. O segundo, quando, de forma lapidar, fez saber aos deputados, com recurso a uma metáfora dos tempos do guterrismo, que José Sócrates, quando estiver entre a espada e a parede, não pode escolher, uma e outra vez, a espada. Tradução: é baixo o nível de cedências que, em nome da estabilidade política, o Governo está disposto a aceitar.
Os prazos não ajudam esta estratégia de vitimização de José Sócrates. Ou melhor: não ajudarão, caso o PSD ponha rapidamente ordem na casa e saiba escolher um sucessor de Manuela Ferreira Leite que reúna duas condições: garantir que os barões e baronetes social-democratas não o começam a "esfaquear" no dia seguinte à tomada de posse; e saiba ter arte para encostar Sócrates à parede sem lhe dar tempo e espaço para este usar a "espada".
Nos próximos seis meses, a menos que uma hecatombe política se abata sobre o País, o Governo não pode ser destituído de funções. Acresce que o eleitorado perceberia mal que, à primeira dificuldade, Sócrates, o animal feroz, soçobrasse. Ocorre ainda que, se o PSD for lesto a escolher um bom líder, os níveis de popularidade do sucessor de Ferreira Leite tendem a subir (a menos que este acumule erros atrás de erros). De modo que a estratégia de vitimização tem que ser muitissímo bem gerida, para não provocar efeitos contrários aos previstos.
A apresentação do Orçamento do Estado permitirá clarificar o jogo de sombras a que vamos assistir nas próximas semanas. Sempre fundamental, este instrumento é ainda mais decisivo quando os governos são minoritários. E, sobretudo, quando a crise manda pôr em ordem as contas públicas sem colocar de lado os apoios à economia. Este verdadeiro quebra-cabeças exigirá de Teixeira dos Santos a elaboração de um Orçamento do Estado tremendamente difícil. Por isso mesmo, os equilíbrios necessários à prossecução das políticas com devida cobertura orçamental começarão aí a ser verdadeiramente definidos. Far-se-á luz sobre o futuro próximo da política portuguesa?