Corpo do artigo
- Traz-me um café?
O empregado de um dos botequins em vias de falência em Portugal serve-o. Solícito. O cliente puxa das moedas para o respectivo pagamento e morrerá sentado se ficar à espera de uma factura. Receberá, quando muito, e com boa vontade, o chamado talão de controlo saído de uma máquina registadora detentora de um programa de qualidade duvidosa.
Pedir o comprovativo de uma refeição completa resulta em algo de semelhante. Numa chafarica nem vê-lo; num restaurante mais catita, sim, aparece a factura arrancada a ferros. Primeiro vem sempre o tal talão de controlo...
O cenário é generalizado, nas devidas escalas, no país do desenrasca. Pedir a um canalizador, um electricista, uma vendedeira de peixe, uma mulher-a-dias ou um pedreiro a competente factura-recibo é uma carga de trabalhos a que poucos se sujeitam - além de beneficiar do "desconto" correspondente ao IVA o cliente sujeita-se mas é a ficar sem quem lhe faça o serviço! E há ainda o estratagema da inexistência de terminal de multibanco ou da sua avaria sistemática, entendemo-nos?
A falta de consciência social, conclui-se, pois, é um dos mais graves factores na origem da crise de Portugal. A generalidade dos cidadãos puxam dos galões moralistas mas raríssimos resistem a adoptá-los. Instala-se, está bom de ver, um tentacular sistema pernicioso; um polvo cancerígeno irreversível. E os números da chamada economia paralela crescem como cogumelos, ao ponto de terem representado 39,4 mil milhões de euros (24% do PIB) no ano passado.
Apertar o cerco à economia paralela é um dos itens inscritos no Orçamento do Estado para 2012. Amplificando impostos, uns atrás dos outros, o Governo terá consciência da tendência para o aumento da fraude fiscal, sabendo estar pertíssimo de um tiro destinado a sair pela culatra: o da arrecadação de mais receita. É dos livros: a partir de certo patamar o Fisco não capta mais dinheiro; potencia sim maior criatividade dos cidadãos para fintas.
Talvez depois de muito pensar, o Governo encontrou uma fórmula repetitiva (do tempo de Manuela Ferreira Leite nas Finanças, mas agora mais refinada) para tentar o combate ao aumento da fraude, para mais quando o fim das deduções ainda é potenciador do reforço da vigarice fiscal. Zás!, vai introduzir a facturação electrónica, através da qual o Fisco saberá a cada instante a situação do comércio, dos serviços, etc.. E a este fumo genial anexou o isco: os cidadãos que peçam e guardem as facturas poderão apresentá-las em sede de impostos, dispondo de um benefício relativo ao IVA pago (ainda por especificar).
O estratagema é bem urdido?
O melhor é descrer da sua eficiência. O "prémio" a receber em sede fiscal não deverá dar para o petróleo; é mais uma fórmula do Estado ficar a saber da vidinha privada de cada um; e o pior é que o tecto das vantagens não compensará a canseira de guardar papeizinhos e pagar - sem recibo - ao contabilista amigo para preencher a declaração de IRS, em papel ou pela Internet.
Assim como assim, a economia paralela crescerá. Os portugueses podem ser papalvos mas ainda não ensandeceram de vez. Além da deficiente consciência social não ser ultrapassável numa ou duas gerações, há um problema inultrapassável: aos governantes actuais e passados é impossível provar que os impostos pagos têm sido bem aplicados.