1."O dinheiro que tenho no banco está seguro? Vão-me cortar a reforma? E o 13.º mês? Vou ter pensão de reforma? Vale a pena votar?". Estas interrogações, que se vão ouvindo com mais frequência, dão voz à preocupação com que, lenta mas seguramente, as pessoas antecipam o que se aproxima.
Corpo do artigo
O tom é de resignação. Seria necessária determinação. Em 1977, percebemos que estava em causa a sobrevivência do regime democrático e, em 1983, a nossa capacidade de virmos a integrar a CEE. E demos a volta por cima. Agora, vamos ter de penar mais tempo do que antes. A razão começa a tornar-se clara: andámos a gastar por conta de uma riqueza que não criávamos, entretidos a discutir desigualdades na distribuição do rendimento quando o fundamental era gerá-lo. Tudo isto se vai entendendo. Mais uma vez, temos de dar a volta a isto. Falta o "como" e o "para quê".
2. Mesmo que a crise seja maior, a dificuldade em identificar um propósito palpável complica a mobilização da sociedade e, sem ela, este período será não só mais longo do que o necessário, como poderá confirmar uma fase de decadência persistente. Num mundo tão dominado por valores materiais, como se diz isto? Talvez olhando para o exemplo de outros países, como a Argentina, outrora rica e poderosa, ou para a Nova Zelândia, um exemplo de sentido contrário. Qualquer que seja o modo, desmistifique-se o discurso do imediatismo: a cura não será milagrosa, demorará tempo, implicará sacrifícios e restrições.
3. Para garantir empenho e determinação, os sacrifícios hão-de ser repartidos: não podem incidir apenas na classe média ou nos assalariados. Os mais afortunados são convocados a dizer presente, se não por solidariedade e vontade própria pelo menos por instinto de sobrevivência. E um patamar mínimo de direitos sociais terá de ser salvaguardado, por razões de decência e civilização.
4. O "para quê" e o "como" estão, por isso, indissociavelmente ligados. Dizem-nos que na Grécia e na Irlanda o que nos é proposto não está a resultar. Surpresa das surpresas, o FMI terá aprendido alguma coisa mostrando-se receptivo a uma estratégia que acautele uma margem para o crescimento económico, sem a qual as medidas de austeridade degenerarão num ciclo de empobrecimento auto-alimentado e sem fim à vista.
5. Chegámos a estas negociações mais enfraquecidos do que podíamos e devíamos. Os nossos graus de liberdade, sendo poucos não são nulos. O compromisso de cumprimento das metas e calendário de redução do défice pré-estabelecidos e o empenho na diminuição do endividamento externo são pré-requisitos. Não se discutem. A história demonstra que a reputação e a credibilidade se adquirem, por vezes, por via travessas, assumindo voluntariamente limitações nas nossas margens de manobra.
6. Não chegamos à actual situação apenas por culpa dos políticos e não sairemos dela se delegarmos neles, em exclusivo, a solução. Encontramo-nos numa encruzilhada. O caminho que temos trilhado é tentador, porém conduz ao abismo. A alternativa não é óbvia, nem sem riscos. Não a escolheremos se não percebermos onde nos leva. A pedagogia tem de vencer a demagogia.