Há algo de mefistofélico nas prédicas televisivas do dr. Marques Mendes. Não sei, pode ser apenas impressão minha, mas a forma, como direi?, violenta escolhida pelo ex-líder do PSD para desancar nos ministros e no primeiro-ministro, muitos deles seus companheiros de partido, faz--me lembrar Mefistófeles, o aliado de Lúcifer na captura de almas inocentes através da sedução e do encanto.
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De entre outras valentes e certeiras cacetadas no Governo, todos nos lembramos daquela em que, hirto e firme, Marques Mendes disse que o omnipotente ministro das Finanças tratava os portugueses como "atrasados mentais" (sic). Tinha razão. A propósito de Portugal conseguir, ou não, condições semelhantes às negociadas pela Grécia para o pagamento dos muitos milhões que a troika lhes e nos emprestou, Vítor Gaspar dissera que não se deviam tratar assuntos complexos com fórmulas simples. Isto é: de tão complexo, o entendimento dos trâmites da negociação não está ao alcance do comum português. A esse cumpre-lhe pagar e calar.
Marques Mendes também teve razão quando acusou Passos Coelho de promover um saque fiscal ao bolso dos portugueses, na sequência da apresentação do brutal aumento de impostos contemplado no Orçamento do Estado para 2013.
Em bom rigor, Marques Mendes tem razão em muitas das críticas que faz ao Governo.
Tristemente, chegou o momento em que a capa de durão caiu. Disse Marques Mendes na Universidade Política do PSD-Lisboa, em Sintra: "Eu não sou muito crítico da esmagadora maioria das decisões do Governo, sou muito apoiante, até, em geral". A pergunta fora-lhe dirigida por um jovem participante na sessão - e eu vi no jovem um querubim que descobrira, lá está, o lado mefistofélico de Marques Mendes. Seguramente empurrado pelo sopro dócil que acompanhou as palavras do querubim, o comentador Mendes pediu de seguida aos ministros para falarem das "matérias" (sic) com "mais afetividade e pedagogia" (sic).
Se estivesse na prédica televisiva, aposto que Mendes teria dito qualquer coisa como: "Os ministros são uns brutos, uns burocratas insensíveis e incapazes de perceber o estado de miséria para que estão a empurrar os nossos estimados e voluntariosos concidadãos".
Há, portanto, dois Marques Mendes. O televisivo rasga o Governo de alto até baixo. O conferencista é "muito apoiante do Governo". Em qual devemos acreditar: no verrinoso ou no bondoso?
"O homem de palavra fácil e personalidade agradável raramente é homem de bem", dizia Confúcio. Marques Mendes é "homem de palavra fácil" na televisão e homem de "personalidade agradável" quando fala aos correligionários. Não lhe fica bem. Acho eu.