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Apesar da tragicomédia vivida durante semanas, a realidade é que o Orçamento do Estado tinha há muito o destino traçado. O coro da opinião publicada, sempre conservadora, timorata e pouco corajosa, aliada aos interesses dos mais poderosos, eles igualmente "prudentes e sensatos", porque sempre comprometidos e dependentes, já tinha decidido o essencial.
Dogmaticamente, horas a fio, na televisão, na rádio ou na imprensa escrita, com dezenas de intervenções dos mais variados analistas, economistas, banqueiros, decretaram duas verdades: o Orçamento de José Sócrates é um horror que vai pôr os portugueses a pão e água, vai ainda exigir medidas mais gravosas nos próximos tempos e vai lançar Portugal na recessão. Em paralelo, contudo, e apesar de péssimo, o Orçamento tem de ser aprovado, porque senão as instituições financeiras, as agências de "rating", essa coisa difusa e distante apelidada de mercados internacionais, qual Minotauro escondido e protegido pela guarda pretoriana e medíocre da burocracia de Bruxelas, vêm por aí abaixo e trituram-nos num ápice.
Face a esta lavagem ao cérebro, como poderia reagir a opinião pública? Obviamente aceitá-la como verdadeira.
Face a esta pressão, que tocou a indignidade, como poderia actuar o maior partido da Oposição, o único alternativo ao actual Poder? Como o fez. Com autonomia, mas com pragmatismo.
Vincando diferenças e mostrando à saciedade que este não é o seu projecto de soluções, adiando para depois das presidenciais a acção política consequente e definitiva na denúncia do caos para que nos empurraram.
A escolha de Eduardo Catroga para negociador foi nesse particular muito inteligente. O ar apaziguador cimentado pelos seus cabelos brancos, a sua imagem de moderação e credibilidade técnica, a ligação a Cavaco Silva garantem que um não-acordo, improvável, nunca seria por culpa do PSD.
Ao contrário do que dizem as serpentes venenosas do costume, Passos Coelho, sozinho, o que é um óptimo sinal, geriu com mestria este processo.
Agora, é altura de virar uma página e começar a construir o PEC político que não se esqueça que a letra C de PEC significa crescimento. Para isso são necessárias reformas que construam um novo país, com uma nova cultura cívica. As medidas que a seguir enuncio necessitam apenas de uma rápida e simples revisão constitucional.
A descentralização e desconcentração administrativa, um novo reordenamento político administrativo, a extinção de todos, mas todos, os organismos supérfluos e caros, a fusão de empresas públicas sinérgicas, a privatização de sectores onde o Estado está há muito a estorvar a economia, o adiar de investimentos público supérfluos e o acelerar dos que são economicamente reprodutivos, a reforma corajosa da saúde e da educação numa perspectiva de viabilizar a existência de um Estado social adequado à nossa riqueza.
Como nunca fui adepto de retóricas estéreis, aqui ficam exemplos para cada um destes grandes temas. Exemplos que significam eficiência e poupança, mas só não são implementados amanhã de manhã por falta de vontade ou de coragem.
As autarquias podem absorver de imediato competências na gestão dos 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico, do património arquitectónico e cultural, dos cuidados de saúde primários; os sistemas multimunicipais de água, saneamento e resíduos devem sair do monopólio das Águas de Portugal e passar para a gestão local; a regionalização deve avançar com uma região piloto experimental; quase 5 mil freguesias e mais de 300 concelhos são uma loucura de gestão com duzentos anos de injustificação e cuja fusão selectiva e racional é inadiável; organismos absurdos como o que fiscaliza a actuação da Comunicação Social, bem como maioria das autoridades ditas reguladoras de actividades económicas deviam ser extintas*; o novo aeroporto de Lisboa, o TGV e a nova travessia do Tejo, quase 10 mil milhões de euros deitados pela janela fora, deviam ser por agora esquecidos, enquanto a modernização dos portos e da ferrovia de mercadorias, a modernização dos equipamentos de apoio ao sistema de justiça, à educação e à saúde, assim como a reabilitação urbana das nossas cidades deviam ser preferenciais; a medicina pública e a medicina privada devem ser encaradas com partes complementares de um bom Serviço Nacional de Saúde, mas, de uma vez por todas, é altura de separar as águas entre os dois sectores; o Ministério da Educação é um monstro paralisante e ingovernável. As suas competências deviam ser transferidas para agências externas, contratadas por concurso público, normalmente universidades, que passariam a controlar com isenção e competência, matérias como o controlo de gestão, avaliação e colocação de professores, aferição de conteúdos pedagógicos.
Estes passos estão entre os que ajudarão a construir uma nova sociedade esperançosa, competitiva e moderna.
Dado o seu traço genético, só o PSD o pode fazer. Incentivo, pois, o seu líder, em quem confio e apoio sem reservas, a começar a fazê-lo desde já através de iniciativas parlamentares.
Enquanto o Governo vai agonizando com as suas malfeitorias contabilísticas, o PSD pode ir mostrando como será diferente um novo Governo social-democrata. E Portugal agradece que alguém vá adiantando o serviço...