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Sendo um dos temas no topo do alinhamento a nível mundial, a tomada de posse do 45.º presidente dos Estados Unidos não suscitará grande euforia. Dentro de portas, Donald Trump chega à Casa Branca com um índice de popularidade historicamente baixo. Poder-se-á dizer que um candidato é sempre muito diferente daquele que ocupa determinado cargo, mas, neste tempo, o presidente eleito superou as mais temidas expectativas. Para quem persegue a atualidade a partir do campo mediático o pavor é ainda maior.
Donald Trump nunca exprimiu grande simpatia pelos média noticiosos. Pelo contrário. Ao longo das primárias do Partido Republicano e, depois, durante a campanha eleitoral, este anticandidato sempre dirigiu impiedosas críticas ao acompanhamento jornalístico de que era alvo. Também é verdade que os principais órgãos de comunicação lhe devolviam idêntica aversão, traduzida desde logo no apoio manifesto dado à candidata democrata. Conhecidos os resultados, os principais jornais escreveram editoriais demolidores. "The New York Times" considerou-o o presidente mais impreparado da história moderna. "The Washington Post" encarou a sua vitória como inverosímil. No entanto, pensar-se-ia que este intervalo de tempo entre o dia das eleições e a tomada de posse pudesse corresponder a uma espécie de purificação dos discursos mais inflamados que são, aliás, habituais em qualquer campanha eleitoral. Ora, nada disso sucedeu. O que não deixa de ter um enorme significado político.
Desde o dia das eleições até hoje, Donald Trump criou uma perigosa estratégia de comunicação em que aparentemente será ele próprio quem comanda e difunde o que há para dizer. Para isso, usa a sua conta pessoal no Twitter ou então conversa com jornalistas mais próximos do seu posicionamento político. Esta semana, na Europa, ampliou-se a entrevista dada ao britânico "The Times" e ao germânico "Bild", onde elogiou o Brexit, vaticinando que "muitos outros países vão querer sair" da União Europeia. Teria sido aconselhável dar a conhecer elementos de enquadramento desta peça jornalística, explicando, por exemplo, que um dos entrevistadores foi Michael Gove, o ministro britânico da Justiça de David Cameron que, surpreendentemente, se juntou, no ano passado, ao então ex-mayor de Londres Boris Johnson para orquestrarem uma dura campanha a favor de Brexit...
Por tradição, hoje seria um dia festivo nos EUA, mas será difícil olhá-lo assim. Haverá, decerto, interesse em seguir a cobertura desta tomada de posse por parte dos principais média americanos. Mais do que retratar o ato em si, que de tão protocolar neutraliza qualquer autonomia jornalística, há que prestar atenção às escolhas feitas para comentar este primeiro dia do novo presidente. Estará aí a chave para saber que quadros de perceção o discurso mediático quer fixar. Haverá um interesse particular pelo trabalho da CNN, depois de Donald Trump ter enxovalhado a estação na primeira conferência de Imprensa que promoveu, enquanto presidente eleito. É claro que não terá sido inocente a opção do canal de TV, e do respetivo portal, de divulgarem nesse dia elementos de um relatório que garantiam que a Rússia guardaria informações pessoais e financeiras comprometedoras sobre Trump. Todavia, também não se espera que o presidente dos EUA se exalte com os jornalistas e que, com determinação, impeça que coloquem as perguntas que se impõem.
A partir de hoje, os jornalistas não encontrarão facilmente na Casa Branca canais de comunicação abertos. Interessando-se o jornalismo por temas mais disruptivos, será árduo arrancar do presidente declarações ponderadas e declinadas num registo sereno. Os média noticiosos encontrarão pela frente um trabalho gigantesco. Os assessores de Trump também. Os que cessam a sua colaboração com Barack Obama deixam na revista "Time" uma extensa lista de conselhos. Por exemplo, ser capaz de contrariar o presidente, porque, como se escreve, estão ali não para servir o homem, mas a instituição. Tarefa impossível agora, pensar-se-á. Espera-se, pelo menos, que os jornalistas não se verguem a pressões. A bem da democracia.
PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO