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Esta semana, estive na Assembleia Municipal do Porto, a convite do grupo do CDS, para falar aos deputados municipais sobre o processo de privatização do aeroporto Francisco Sá Carneiro (AFSC), questão que há muito me preocupa, e que mais me aflige depois de conhecida a intenção do Governo de avançar com a privatização da ANA num modelo em que os três aeroportos do continente serão vendidos em bloco e a uma única entidade privada. Tive oportunidade de explanar os meus argumentos que resultam de vários estudos que a Associação Comercial do Porto encomendou ao longo dos últimos anos, e que decorrem, também, da minha convicção pessoal de que esse modelo constitui uma formidável ameaça para o nosso aeroporto, com graves prejuízos para a cidade, para a região e para o país. Receio que um modelo de monopólio privado conduza à concentração no maior aeroporto nacional com prejuízos sérios para o crescimento do nosso aeroporto. Convicção que tenho comunicado a sucessivos governos, que tenho tido oportunidade de expor nesta minha coluna, e que tenho mantido em várias iniciativas políticas de diferentes forças políticas. Curiosamente, no dia em que o Governo anunciou a sua decisão, estivera numa reunião promovida pela Distrital do PS, em que a questão fora discutida.
Na sessão a que fui esta semana, os deputados municipais também ouviram a opinião de Mário Ferreira, empresário que tem apoiado o desenvolvimento do aeroporto e cujo negócio depende, em larga medida, do seu sucesso, e de Valdemar Madureira, com vasta experiência em tudo o que diz respeito às infraestruturas da região. A discussão foi útil e construtiva, e decorreu com uma elevação exemplar. Como era expectável, quer a CDU quer o Bloco de Esquerda manifestaram a sua oposição frontal a qualquer dos modelos de privatização, o que se compreende pela ideologia das duas forças políticas. E, como pude confessar, também eu preferia o "status quo" porque, ainda que entenda que, face aos constrangimentos atuais, é inevitável privatizar as empresas públicas que têm algum valor de mercado, considero que a importância macroeconómica desse instrumento estratégico não é fácil de compatibilizar com o interesse privado. De facto, a maximização do lucro, que é o interesse lícito de qualquer investidor privado, não se harmoniza facilmente com o interesse público, que é o de atrair o maior número possível de passageiros e oferecer a maior diversidade possível de destinos através das companhias aéreas que escalam o aeroporto.
Mas, nessa noite, o mais importante foi, sem dúvida, a negociação de um invulgar consenso entre PSD, CDS e PS. As três forças políticas negociaram, e aprovaram, uma moção conjunta em que se recomenda ao Governo que contemple a privatização do aeroporto Francisco Sá Carneiro em separado. Não sei, confesso, se esta moção terá força para alterar o rumo da privatização. Não tenho a certeza de que, no Parlamento, os deputados eleitos pelos círculos eleitorais do Norte sejam capazes de defender, em uníssono, a mesma posição. Infelizmente, não tem sido essa a tradição, e a isso se deve a perda de influência de que tanto nos queixamos. Sucede, ainda assim, que regressei a casa com orgulho por ser portuense: por ver que, nos momentos cruciais, e mesmo num tempo em que a acrimónia vem marcando a política, se pode ter um debate positivo e sereno sobre um tema tão importante; por testemunhar que os nossos representantes políticos são capazes de apostar no essencial, de assumir as suas responsabilidades, e de esquecer o que os separa quando o que está em jogo é o futuro da cidade. E é isso que se joga neste momento, com a privatização do nosso aeroporto: a perda da nossa maior porta de entrada, e do nosso maior fator de competitividade. Enquanto for assim, o Porto continuará a ser uma cidade diferente. É uma questão de caráter, e é também essa a razão pela qual os poderes centrais temem a sua afirmação no todo nacional.