Ao rejeitar aumentos de impostos e criticar os impactos sociais das medidas para votar contra o PEC 4, o PSD corria o risco de se desdizer, que era tanto maior quanto lhe falta programa e equipa de governo.
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Bastou um dia e aí estavam, pressionados pelas instituições e parceiros europeus, a propor o aumento do IVA o qual, por mais voltas que se lhe dê, penaliza as pessoas de mais baixos rendimentos para além de que, se essa fosse a única fonte de aumento de receitas, a taxa típica precisaria de ter um acréscimo astronómico para se atingir o objectivo pretendido - e aumentar receitas é, no curto prazo, inevitável dada a morosidade da reforma da Administração Pública em produzir efeitos no lado da despesa. Todos os eventuais detalhes técnicos são, no entanto, secundários se comparados com a escalada de crispação política que aquela declaração permitiu. Some-se-lhe o inacreditável alinhamento na suspensão da avaliação dos professores e temos o terreno preparado para uma campanha de ataques recíprocos que permitem fugir à discussão do essencial. E o essencial é que Portugal está muito doente (Daniel Bessa diz, mesmo, que está falido) e precisa de um esforço colectivo enorme para sobreviver com dignidade. Para começar, ajuda saber, com exactidão, a dimensão e complexidade do problema. A intervenção do ministro das Finanças no debate do PEC 4 poderia ser um bom ponto de partida. Com base nela, é possível elencar e avaliar alternativas, identificar denominadores comuns, quiçá estabelecer termos de convergência, para um plano de ajustamento e crescimento a, pelo menos, seis anos, tal como vem sendo reclamado pelo governador do Banco de Portugal e Passos Coelho parece acolher. Um a um, os líderes dos partidos do arco constitucional concordarão, no essencial, com esta ideia para, logo a seguir, descartar a sua viabilidade, sob o pretexto de que os outros nunca a viabilizarão, alijando responsabilidades no estado actual do país, dando uma ideia errada da gravidade do problema, como se o tratamento pudesse esperar.
Com estes exemplos vindos da classe política, não admira que muitos portugueses continuem a viver como se nenhum problema houvesse ou, havendo, não fosse demasiado sério. A "geração à rasca", vai-se a ver, é a mesma que lidera a Europa na compra de carro novo. Queixamo-nos do preço da electricidade, mas aumentámos o seu consumo, no ano passado, quase ao dobro do ritmo de crescimento do país. Os combustíveis estão caros, mas continuamos a acelerar subindo o consumo e o gasto. As empresas públicas de transporte, tecnicamente falidas, com uma dívida elevadíssima e classificada ao nível de "lixo", com dificuldades de tesouraria para pagar salários, têm os seus funcionários entretidos a planear, anunciar ou executar greves. E por aí adiante.
Augusto Mateus dizia, um destes dias, numa conferência em Serralves, que os portugueses não têm medo do problema, têm medo da solução. Não têm medo do cancro mas da operação que o pode remover. Sabe-se o que acabará por acontecer ao doente com esta atitude. Cavaco Silva compete ser o leal conselheiro.