Como qualquer outra instituição, o Estado carece de reformas. Concretas e em pontos críticos, que melhorem a sua estrutura e funcionamento. As questões relativas ao sistema político e à organização do território são de tal monta que esgotariam um artigo. Deixá-las-ei de lado, para me concentrar noutros aspetos igualmente importantes.
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Até começo pelas funções sociais. Não se pense que está tudo bem aí. Pelo contrário: quem defender o Estado social deve ser o primeiro a enfrentar dois problemas sérios: os abusos e a ineficiência. A raiz dos abusos está na assimetria entre direitos e responsabilidades e na conversão de direitos em privilégios. O fenómeno dito de "ir à boleia", beneficiando sem contribuir proporcionalmente ou manipulando o direito como se fosse uma benesse, corrói o pilar mais importante do Estado social, que é o apoio das classes médias. Por isso, a exigência da condição de recursos para as prestações não contributivas (que está ainda por fazer nas pensões mínimas), a contratualização de obrigações para os beneficiários da proteção social e uma fiscalização apertada, são elementos essenciais de melhoria do Estado.
Coisa análoga se diga da eficiência, a relação entre os recursos investidos e os resultados obtidos. No Serviço Nacional de Saúde, ela tinha chegado, imediatamente antes da crise, a um nível bastante aceitável. Está regredindo agora, infelizmente. Mas, pesem as melhorias registadas na segunda metade da década passada, ainda precisa de progredir muito na educação. Querem os leitores o exemplo de um custo altíssimo e completamente desnecessário? Olhem para os 250 milhões de euros que custa ao país, anualmente, o insucesso escolar.
Diz-se por vezes que o gasto principal do Estado é com salários e pensões. Quanto às pensões, é uma falácia: as contribuições dos trabalhadores e empregadores é que as pagam. Quanto à despesa com a função pública, Portugal esteve mas já não está acima da média europeia, em percentagem do produto. Nesse termo de comparação, nem temos funcionários a mais nem gastamos de mais com eles. Os mecanismos de progressão automática e de gestão laxista da força de trabalho - que aliás vêm, no essencial, do Governo Cavaco Silva - foram corrigidos (já agora, e no essencial, pelo Governo José Sócrates). Neste campo, reformar é não voltar atrás.
Já o setor empresarial público continua a precisar de mudanças profundas. A ação deste Governo tem sido positiva no controlo das empresas municipais Mas o resultado ainda é modesto quanto ao principal fator de risco, que são as empresas públicas de transportes. Fora os aumentos de preços e as reduções no serviço, muito se prometeu e pouco se concluiu. Vai ser preciso uma outra política: menos obcecada com a privatização da Caixa Geral de Depósitos e da TAP - que são empresas viáveis e estratégicas para a regulação de setores determinantes - e mais focada na solução dos problemas financeiros e organizacionais dos operadores ferroviários e rodoviários.
Não tenhamos, porém, dúvidas sobre o seguinte: a grande janela de oportunidade para melhorar o Estado (reduzindo a sua dimensão onde ela é desnecessária e a sua despesa onde ela é inútil) é a modernização dos serviços e a desburocratização da administração. Isto inclui a descentralização de competências para os municípios e a parceria com o setor de economia social - áreas em que ainda há muito caminho a percorrer. Mas, implica, sobretudo, a redução ao mínimo indispensável das garantias prévias exigidas a indivíduos e a empresas, seja para a sua vida diária, seja para os seus empreendimentos. Um Estado amigo da iniciativa, em vez de embaraço.
E vejam agora a ironia: não é que aqueles que mais apregoam a reforma do Estado - prometendo-a sempre, aliás, para o dia seguinte - são os mesmíssimos que pararam, mal chegaram em 2011 ao Governo, a reforma do Estado que estava em curso, essa mesma do Simplex?