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O episódio da fuga de Vale de Judeus vai figurar na galeria dos acontecimentos mais insólitos do nosso país, à semelhança do roubo no paiol de Tancos ou do assalto ao Ministério da Administração Interna - só para citar os mais recentes. Em todos eles, fica a mesma sensação de pasmo e incredulidade, que permite ao cidadão médio olhar para o Estado como um edifício com a solidez das caixas de papelão.
Além da evidente inépcia operacional, da gritante falha de segurança e da incapacidade de reagir com rapidez aos acontecimentos, o que choca nestes casos é a ausência mínima de responsabilização. Ninguém acha que se deve demitir de imediato, apesar da gravidade mais que demonstrada dos factos. E há sempre uma normalidade inquietante nas explicações que são apresentadas.
A imagem que este comportamento passa para o exterior é de um absoluto descrédito, que mina de forma irreversível a confiança da população no Estado e nas instituições que nos deviam proteger. A pergunta é óbvia e legítima: se esta organização não sabe cuidar de si própria, como é que vai defender o interesse que é de todos?
Além da desconfiança, este tipo de acontecimentos também são a prova de que o populismo e as tiradas eleitoralistas têm a perna curta. Ao contrário do que apregoou o anterior Governo, Portugal não virou - nem podia ter virado - a página da austeridade. No entanto, repetiu uma narrativa que foi ainda mais além, não da troika, mas da verdade, ao assumir um entusiasmo pelos serviços públicos que não teve qualquer expressão factual. Muito pelo contrário: foram quase sete mil milhões de euros em investimento público fechado na gaveta, ao longo de oito anos, que deixaram os organismos do Estado presos por arames e, em muitos casos, a funcionar abaixo dos mínimos. Mais ainda, quando se trata de áreas “invisíveis” como a Defesa, a Administração Interna ou a Justiça.
Oxalá este lamentável incidente sirva de exemplo para este e para futuros governos. Por um lado, para não se comprometerem com aquilo que, na prática, não conseguem cumprir. Por outro, que haja maior exigência no apuramento de responsabilidades e na pedagogia cívica. É também por falta de comparência nestes dois critérios que os populismos são acolhidos pelas pessoas.