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Pedrógão, Tancos, escolas, SIRESP, incêndios em geral. A face mais dramática de um Estado que não funciona ou funciona mal. Um Estado que parece servir sobretudo para cobrar impostos, pagar a funcionários e criar dívida. E que cada vez menos acode às necessidades dos cidadãos. A reforma do Estado já não é apenas obrigatória, é uma emergência.
Para um social-democrata de inspiração cristã como eu, o Estado não deve ser exíguo nem deve ser mínimo. Num país com dificuldades e assimetrias aberrantes como Portugal, o Estado deve responder, para além das funções de soberania, pelo fomento do equilíbrio social. Com serviços públicos capazes e regulando o que deve ser regulado.
A realidade, porém, é bem diferente. O património florestal do interior é, ano após ano, devorado pelos incêndios. A prevenção não existe, os meios de combate não serão adequados e as comunicações não comunicam. Até mesmo a simples elaboração de uma listagem de vítimas de um incêndio como o de Pedrógão parece ser uma tarefa demasiado árdua para os organismos do Estado.
A tropa, a mesma que reivindicou e conseguiu comprar dois submarinos, não é sequer capaz de tomar conta das munições que estão ao seu cuidado. Nas escolas, em altura de matrículas como a atual, reina o recurso a pequenos truques, a confusão instala-se e alguns estabelecimentos acabam por ter de chamar a Polícia para garantir a ordem. Quando o que está em causa são apenas as formalidades de acesso ao ensino público. "Universal, obrigatório e gratuito", segundo a Constituição.
Em matéria de segurança, assistimos há anos à suprema contradição de vermos edifícios e serviços públicos (hospitais, tribunais ou repartições) protegidos por "agentes" de empresas privadas, enquanto a PSP vigia e defende instalações privadas - basta ir a um qualquer supermercado para o constatar. Trata-se de reduzir custos, num caso, e de recorrer a serviços gratificados, no outro. É com certeza tudo legal. Mas é também algo que reforça o sentimento popular de que "não há polícia na rua". E, claro, aqui é a autoridade do Estado que fica diminuída.
O debate sobre as funções do Estado é antigo. É algo parecido com o que existe sobre dietas ou a necessidade de deixar de fumar - sabe-se que é importante, fundamental mesmo, mas adia-se até ao limite. Sendo que, no caso do Estado, o assunto é mais sério e estamos assustadoramente perto desse limite. Quando o Estado não funciona, a sensação que resta é que ele não existe. Nos manuais, isso tem um nome. Chama-se anarquia.
*EMPRESÁRIO E PRES. ASS. COMERCIAL DO PORTO