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O ministro da Administração Interna teve que usar três-vezes-três a palavra "legal" para justificar a decisãode abdicar do subsídio de alojamento a que, à luz da lei, tem direito, por ter a sua residência oficial em Braga. Quer dizer: lá bem no fundo, Miguel Macedo entende não ter nada que devolver os 1400 euros em causa, mas, como a coisa começava a ganhar foros complicados, cedeu à pressão. Atrás dele veio, depressinha, o secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, que tem domicílio em Viseu. Seguiu-se, num exercício de criticável demagogia (para dizer o mínimo), o ministro da Defesa. Aguiar-Branco tem residência no Porto, mas, em "solidariedade" (!) para com os seus colegas, também dele decidiu deixar de embolsar o malfadado subsídio.
Os tempos de crise são, invariavelmente, tempos em que a diferença entre o que é legal e o que é moral se esbate com muita rapidez, dando lugar a perigosos exercícios de demagogia e populismo. A esta mistura explosiva só se responde mantendo a coluna hirta e os valores intocáveis. Responde-se não permitindo que a espuma dos dias faça com que o acessório tome o lugar do essencial. Responde-se explicando o óbvio e dando o peito às balas.
Sucede que, numa semana em que o (apetecível) tema dos rendimentos de políticos e ex-políticos veio à baila, dar o peito às balas podia criar feridas difíceis de sarar. De modo que o melhor é seguir o rebanho, antes que a coisa comece a queimar...
A regra do subsídio de alojamento pode e deve ter excepções. No caso de Miguel Macedo, faz sentido que o ministro abdique da ajuda, por ter uma casa a poucos quilómetros da capital. Mas o raciocínio já não deve aplicar-se às situações em que ministros ou secretários de Estado que não sejam de Lisboa precisem do subsídio para alugar casa. Ou seja: a ajuda deve ser entregue apenas a quem prove que dela efectivamente necessita. Caso contrário, temos que estipular uma regra capaz de eliminar todas as dúvidas: não pode haver governantes que vivam fora de Lisboa. Todos têm que ser alfacinhas, para não onerar ainda mais as nossas depauperadas contas públicas com os subsídios de alojamento.
À parte a ironia, há bons exemplos de ex-governantes, como Cavaco Silva e António Guterres, que abdicaram daquilo a que tinham direito, seguramente por considerarem que estavam a beneficiar de benesses desnecessárias. Isso é uma coisa. Legal e moral. Outra, bem diferente, é querer, à boleia do populismo, confundir a árvore com a floresta, o que apenas serve para exponenciar ainda mais o sentimento antipolíticos que, em tempos de crise, naturalmente se agudiza. Foi isso que, com toda a certeza sem o desejar, fez o ministro da Defesa. A Aguiar-Branco bastaria ter dito: "Eu não preciso do subsídio, por isso abdico. Mas há quem, no Governo, necessite dessa ajuda, e deve mantê-la". Isso, sim, seria solidariedade. Para com os colegas e para com o país.