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Em 2012, François Hollande disse querer ser um presidente "normal", quiçá para afirmar um pretendido contraste com Nicolas Sarkozy, que, com aquele estilo "coelho da Duracell", cansara e irritara profundamente a França. Hollande acabou por ser apenas um presidente banal, que ficou muito aquém daquilo de que o seu país necessitava, contribuindo, em paralelo, para um imenso descrédito da Esquerda socialista que ele reconduzira ao poder. Curiosamente, a Direita não foi capaz de cavalgar esse estilhaçar do adversário, envolvendo-se em guerras de alecrim e manjerona, dando, no final, uma imagem "affairiste" de si própria, que, por pouco, não abriu espaço a uma tragédia.
Emmanuel Macron foi a resultante hábil que "furou" no meio da onda de desilusão do eleitorado perante as duas famílias políticas tradicionais. O Governo que agora apresentou é uma verdadeira não-surpresa, uma espécie de "bloco central", que junta figuras "óbvias" dos diversos espetros políticos, a que somou algumas caras novas, parte delas com promissores currículos, numa deliberada e louvável equidade de género.
Sem querer parecer Cassandra, gostava de dizer que se podem antever algumas dificuldades a este novo Executivo. Desde logo, porque o primeiro-ministro escolhido, Edouard Phillipe, um homem oriundo da ala mais "aceitável" da Direita clássica, pode vir a revelar-se um peso demasiado "leve" para contrabalançar a dimensão de algum "baronato" político que Macron se viu forçado a cooptar. Desde logo, François Bayrou, o ambicioso centrista que terá criado já problemas nas vésperas da formação do Executivo, passando pelos socialistas Gérard Collomb, o "maire" de Lyon que cedo se ligou a Macron, e Jean-Yves Le Drian, um fiel "hollandista", até a um ambicioso Bruno Le Maire, com o qual o novo Executivo tentará seduzir o eleitorado da Direita clássica. Uma nota interessante, coerente com a sempre reiterada aposta de Macron no dossiê ecológico, é a escolha de Nicolas Hulot, figura mítica do ambientalismo francês - que até agora tinha resistido a todas as propostas para entrar ativamente na vida política.
Este Governo é o "cartão de visita" que Macron vai apresentar perante o eleitorado que escolherá os deputados em 18 de junho. O que conseguir projetar como linha apelativa de rumo será decisivo para se perceber se, depois dessa data, conseguirá ou não uma "maioria estável e coerente", como se dizia no Portugal pós-Abril.
Um belo sinal do novo presidente foi, sem dúvida, a mensagem europeísta que resultou do seu encontro com Angela Merkel. Para Portugal, que tem no êxito do projeto europeu uma parcela significativa do seu interesse nacional futuro, o sucesso de Emmanuel Macron e a eficácia deste seu quase "Governo nacional" seria uma muito boa notícia.
*EMBAIXADOR