<p>Numa coisa, em Portugal toda a gente parece de acordo: a situação está péssima. Do estrangeiro olha-se para nós e a conclusão a que chegam é também péssima: as taxas de juro não param de subir, o que quer dizer que ninguém acredita em nós. E até o líder que supostamente surgiu para nos salvar parece ter entrado também na aliança dos que tornam os nossos dias mais difíceis. Na verdade, Passos Coelho levou tão longe o braço de ferro com Sócrates que ficou sem recuo . </p>
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Enquanto muitos dirigentes do partido, de Ferreira Leite a Marques Mendes, de Pacheco Pereira ao sempre cordato Silva Peneda, passando pelo ex líder Durão Barroso e por tantos tantos outros vão pedindo bom senso para a votação do Orçamento, Passos Coelho e os seus próximos colocaram-se num beco do qual, estranhamente, só Sócrates, se recuar um bocadinho, se der uma aberta, como se costuma dizer, o poderá salvar.
Ou seja: aconteça o que acontecer, Passos Coelho já perdeu. Perdeu imolado na vaidade dos que se viram cedo demais com os destinos do país em mãos, mas que não viram mais longe do que o destino o s levar ao poder. E perdeu porque deixou de ser uma solução e passou a fazer parte do problema, e do pior que o problema tem: a teimosia que tantas vezes transparece de algumas decisões, como se não fossem os interesses do país a comandar a vida da respublica.
Convenhamos: Passo Coelho começou toda a sua intervenção política com seriedade, com peso, com bom senso e sem pressa. E começou, recorde-se, segundo as suas palavras, ajudando o país, ajuda que significou um novo fôlego para um Governo moribundo. E continuou tendo razão, ao reclamar cortes na despesa. O pior veio depois, com alguns zigue-zagues. Mas a fase muito má veio quando foram conhecidas as medidas de orientação do Governo para o Orçamento. O PSD começou por dizer que não apoiaria nada que significasse aumento de impostos e, na fase em que estamos, já aceita aumento de impostos desde que se baixe a contribuição das empresas para a Segurança Social.
O país precisa de um Orçamento. Na lista dos políticos, são poucos os que assim não pensam, sobretudo se procurarmos do PS para a direita. O plano de austeridade do Governo pode ter vários problemas e provavelmente Sócrates nem estará muito sensível a alterações (em boa verdade o Governo tem dito o contrário, ainda ontem ao "Expresso" o ministro das Finanças repetia a disponibilidade para negociar). E o problema que Passos enfrenta é que se não se abstiver no Orçamento atira o país para uma situação que os nossos parceiros europeus não compreenderão e que muita gente, no país e no seu partido não lhe perdoará. Se não houver Orçamento, Passos Coelho poderá acusar o Governo de más opções e de responsabilidades várias. Mas à sua conta própria e do seu partido ficará a alta imediata da taxa de juros sobre empréstimos - no s casos em que houver empréstimos - uns meses sem Governo (até Maio) que deixariam o país sem Norte e num enorme caos social. Passos deveria ter percebido que garantir a estabilidade é o principal, neste momento. E o papel de garante da estabilidade esteve reservado para ele durante vários meses. Não o quis, ou não o soube agarrar .
Passos saberá certamente o que já se diz da sua política no interior do PSD. É certo que o partido é dado a devorar líderes antes mesmos de os pôr à prova. Alguns dos que defendem teses diferentes da sua já vieram para a Imprensa expor o seu desacordo. Passos sabe melhor do que ninguém o que isso significa e, certamente, não o descansará que, em matéria orçamental, os deputados estejam obrigados a disciplina de voto. É que, o que se ouve, são rumores cada vez maiores de que o Orçamento será chumbado; mas também há rumores que crescem de que poderá haver quem não queira cumprir a disciplina partidária em nome dos interesses do país, e cumpra o papel de "Limiano" no Orçamento de Sócrates. A expressão que Pacheco Pereira tem usado parece certeira: Passos Coelho meteu-se num grande sarilho. O sarilho maior, porém, é do país, e resulta da incapacidade de diálogo que os líderes partidários não conseguem ultrapassar. Que vergonha!