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O guião da reforma do Estado parece uma obra-prima de Paulo Portas para tentar garantir que os portugueses voltem a confiar na coligação político-partidária de governo. Onde tantos viram indecisão, desarticulação e incapacidade, fica, agora, mais claro, pelo texto do guião, que Paulo Portas sabia bem com que linhas se cosia para atingir o objetivo a que poucos como ele são capazes de dar corpo: fazer política pura e dura.
Estávamos todos, ou quase todos, em ânsias para conhecer o Orçamento do Estado para 2014 e seus pontos negros, suscetíveis de serem chumbados pelo Tribunal Constitucional, e eis que o vice-primeiro--ministro saca do mapa da mina. Que há de, ou não, garantir a vitória eleitoral em 2015, quando, presumivelmente, já não estejamos sob protetorado da troika e em regime de assistência financeira do Banco Central Europeu um pouco menos espartano.
Mas não é apenas o "timing" da apresentação do guião que faz dele uma peça política de envergadura. As palavras escolhidas para desenhar o novo Estado, que o próprio Portas batizou de "pós-burocrático", encerram um conjunto de ideias que o comum dos cidadãos passou a apreciar desde que lhe fizeram ver os pecados de um modo de vida traiçoeiramente rotulado: "Gastamos acima das nossas posses".
Quem não acha que o Estado deve poupar fundindo serviços, repartições, divisões, departamentos? Ou prescindir de chorudos serviços jurídicos externos pagos a peso de ouro, enquanto os seus juristas pouco ou nada têm para fazer?
Quem não acha que os nossos alunos ganharão com escolas mais autónomas e, melhor ainda, propriedade dos próprios professores, que, afinal, são quem deve saber da poda?
Quem não acha que a Segurança Social melhorará contratualizando mais com as IPSS? Ou com uma maior fiscalização dos pagamentos? Ou até com um teto para as pensões, devidamente articulado com os rendimentos, abrigando-as da falência do sistema?
Quem não acha que teremos mais e melhor saúde se tornarmos ainda mais eficiente a gestão dos centros e dos hospitais? Ou dermos mais informação em tempo útil para os utentes poderem decidir com melhor conhecimento de causa? Ou acrescentarmos proximidade aos cuidados primários esbatendo desigualdades territoriais?
Claro que achamos tudo isto bem. Como acharíamos se Paulo Portas nos apresentasse todos estes objetivos, em 2015, para tentar ganhar o nosso voto. É o que está feito.
Creio até que este guião servirá para isso mesmo. Porque quanto aos problemas de raiz - défice versus impostos ou contribuições versus pensões ou investimento versus emprego, entre outros - vai ser preciso o contributo do PS para reformar o Estado. Mesmo.