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O setor da restauração tem muitos motivos para estar muito preocupado. O aumento do IVA, que se irá manter, representou uma machadada fatal para muitos pequenos empresários, que têm de sobreviver à redução drástica do consumo e que, para além disso, tiveram de absorver o aumento do IVA porque não tinham qualquer possibilidade de o repercutir num eventual aumento de preços ao cliente.
Não são conhecidas as consequências macroeconómicas dessa realidade, apesar de ter sido apresentado um estudo que tenta fazer essa avaliação. É muito difícil saber quantas falências resultam deste tributo fiscal, quantos postos de trabalho foram destruídos.
Não haverá qualquer dúvida de que o aumento da taxa do IVA terá contribuído para muitas falências de estabelecimentos que, por causa da crise e do abaixamento do consumo privado, já estavam à beira do precipício. É absolutamente certo que se perderam milhares de postos de trabalho, aumentando o gasto do Estado em prestações sociais, diminuindo a sua cobrança em sede de IRS e TSU. Esses são os impactos imediatos. Há, contudo, muitos outros impactos, menos visíveis, e provavelmente esquecidos. Desde logo, há toda uma indústria que fornece e abastece os restaurantes que, por esta via, também acumulou perdas enormes. O setor dos vinhos que o diga.... Há, também, um grande prejuízo para os senhorios desses espaços, que antes cobravam rendas que por sua vez eram taxadas, e que agora têm os seus espaços vazios e sem qualquer rendimento.
Olhando para os benefícios, não se encontra um espelho que compense esses custos. Não se sabe, ao certo, se o IVA cobrado no setor aumentou em valores absolutos ou se, pelo contrário, diminuiu. Desde logo porque não se afigura como provável que o IVA arrecadado na restauração tenha tido um comportamento diferente do que sucedeu no plano global, e não se imagina por que razão seria diferente neste setor, tanto mais que não se trata de um serviço de primeira necessidade.
Acresce, ainda, que Portugal tem de apostar no turismo e, para isso, orgulha-se da sua restauração, da sua gastronomia e dos seus vinhos, dos bons serviços de hotelaria que oferece a quem nos visita. Diminuindo a oferta, estaremos a prejudicar essa componente tão importante.
Tudo isto parece demasiadamente evidente para ser ignorado pela troika, ou por quem nos governa. Creio, por isso, que esta é uma das tais medidas que nos foram aplicadas por razões meramente punitivas. Para as formigas, os nossos hábitos de vida são condenáveis. Muitas vezes ouvi alguns estrangeiros que nos visitavam e que manifestavam o seu espanto por termos os hábitos de frequentar os cafés, de levar a família ao restaurante. Nunca compreenderam, obviamente, que esses hábitos fazem parte da nossa cultura, e não representam apenas um gasto. Nós, os latinos, gostamos do convívio, gostamos dos encontros fortuitos, gostamos dessas pequenas coisas, desses prazeres, sejamos pobres ou ricos, novos ou velhos. Será que por isso merecemos um castigo? Não seria, por exemplo, muito mais óbvio e socialmente aceitável que se taxassem como objetos de luxo os telemóveis de alta gama e tantos outros gadgets em que, de facto, o nosso consumo ainda é excessivo? O problema, obviamente, é que isso iria prejudicar as formigas que os produzem, e que querem que continuemos a ser seus clientes.
Os empresários da restauração têm, por isso, toda a razão. Estão a fazer um combate pelo seu interesse, que coincide com o de todos nós. Sim, é verdade que temos de mudar de vida, que temos de adequar os nossos hábitos de consumo, que temos de pagar o que devemos, que temos de fazer os sacrifícios para compensar o tempo perdido. Mas, por favor, não tentem fazer de nós um povo ainda mais triste e acabrunhado. Principalmente, não nos façam de parvos, não tentem confundir a medicação com a punição, não tentem que nos estão a aconselhar quando nos estão a castigar.