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Só um inútil pode achar que o poder se exerce por via da humilhação. Só um inútil se socorre de um estatuto tosco para rebaixar os outros. E, no entanto, ano após ano, somos confrontados com práticas medievais na universidade. Jovens que agem como bárbaros, em matilha, confortavelmente respaldados na ditadura da tradição académica. É nela que se ancoram para validar os abusos da praxe. Obedecer e calar. Como na tropa, mesmo que, nestes casos, as hierarquias sejam de plástico. Mas onde é que diz que despir caloiros na serra da Estrela a meio da noite e bater-lhes com pás é uma tradição? Onde é que diz que transportá-los na bagageira de um carro até um lugar ermo é uma tradição? Onde é que diz que obrigar um aluno a ajoelhar-se sobre as mãos e enfiar a cabeça num monte de farinha é tradição? Onde é que diz que filmar caloiras nuas e disseminar as imagens por um grupo restrito de valentões é condizente com o espírito académico? Haverá sempre alguém para praxar e para ser praxado. Essa cultura está entranhada. Há quem goste do ritual, quem tenha escudo, quem se sinta verdadeiramente integrado, quem faça amizades e, inclusivamente, guarde boas memórias. E isso tem de ser respeitado. Há, também, do lado de quem sujeita os novatos à iniciação, senso e inteligência para distinguir o razoável do lamentável. Uns e outros são, em grande parte, maiores de idade e, por isso, capazes de fazer as suas opções. Mas os casos da Universidade da Beira Interior e de Évora agora vindos a público (como tantos outros no passado) extravasam a dimensão da escolha pessoal. Uma "irmandade secreta" que se dedica a atos selvagens não pode ter raio de ação numa universidade pública. É aqui que as instituições têm de exibir mão firme. Punindo exemplarmente, expulsando se for preciso. Mesmo que o exterior do campus seja como Las Vegas (o que se passa fora do campus fica fora do campus), é evitando os desvios grosseiros à normalidade que melhor se defende a normalidade. Um inútil a menos será sempre uma vitória.
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