Já se sabia que as eleições do PSD-Madeira realizadas anteontem iam ser históricas. Afinal, Alberto João Jardim ia a votos com um opositor, uma prática que deveria ser vulgar mas que os sociais-democratas do arquipélago não viam há 36 anos... Adivinhava-se, portanto, que o habitual passeio arrogante e truculento do líder regional madeirense pelas urnas do seu partido pudesse ser beliscado. Mas o que não se imaginava - e Alberto João ainda deve estar a digerir a sua incredulidade - é que a diferença para Miguel Albuquerque fosse de apenas 142 votos num universo de pouco mais de 3500 votantes.
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Face a tão inesperado susto, percebe-se que Jardim tivesse aparecido aos jornalistas para a habitual declaração de vitória vestido com pele de cordeiro. Indumentária que assenta mal na já tradicional postura de frenético pastor evangélico de uma qualquer profecia da desgraça do líder madeirense, que não poupa jornalistas, cubanos do continente ou até, de quando em vez, um tal "senhor Silva". É certo que as "bocas" de gosto duvidoso lhe estão no ADN e só isso explica a necessidade de exaltar as suas bochechas vermelhas em oposição ao "escanzelado" que acabava de derrotar, mas que o colocou numa espécie de "alerta laranja". Ainda que os ataques do politicamente combalido histórico madeirense a Albuquerque e aos seus apoiantes tenham ido mais longe. No muito peculiar entendimento que tem da democracia partidária, Jardim argumentou que foi o "partido dividido" quem perdeu - e não ele e a sua vitória tangencial. A seu lado, disse Jardim, esteve o "PSD militante", enquanto ao lado do presidente da Câmara do Funchal estiveram os militantes laranja que nunca foram chamados a lugares regionais, nacionais ou autárquicos. Na verdade, Alberto João Jardim não quer admitir que as bases do partido - aquelas que, também na ilha, sentem na pele o aumento da pobreza e do desemprego, fruto de uma crise que o líder regional tanto fez por ignorar -, pudessem um dia gritar revolta, bastando que para tal houvesse uma alternativa à hegemonia "jardinista". Se outra virtude não teve - e o futuro provará que teve outras -, a candidatura de Miguel Albuquerque teve o condão de acabar com um unanimismo construído em tantos e tantos casos à base do medo e da chantagem do regime.
Não se pense, porém, que o despertar de um partido "hibernado", como lhe chamou Jardim, vai ficar sem resposta. Em jeito de vingança tão ao seu género, o presidente madeirense prometeu que este é um assunto que no futuro vai ser analisado "com muito cuidado".
Fragilizado nas urnas ao alcançar uma vantagem mínima sobre o seu opositor, Jardim deixa antever uma inqualificável caça às bruxas ao ameaçar rever as regras de militância partidária. Para que não se repita a ousadia histórica como a desta semana em que Jardim esteve muito perto de passar à história.