Sou leitor compulsivo de jornais. Dos verdadeiros, dos que sujam as mãos. Tenho, também, uma outra mania: quando leio uma peça que acho interessante, guardo o jornal à espera de oportunidade para recortar o artigo. Como é óbvio, chega uma altura em que a acumulação de jornais começa a colidir com o espaço disponível. É, então, a altura da limpeza geral. O distanciamento no tempo tem algumas vantagens: análises que pareciam relevantes, com o passar do tempo revelam-se inócuas; propostas então estrambólicas são, hoje, um dado adquirido; mudanças sonhadas estão concretizadas, algumas; continuam prometidas, outras.
Corpo do artigo
Nestas férias, dediquei alguns dias a essa limpeza. Fui mais longe do que o habitual e "ataquei" alguns arquivos velhos. Cruzei-me com jornais e artigos mais ou menos antigos, alguns já do século passado. E constatei aquilo que acima referi. Portugal mudou muito e pouco. Continuamos a ter um problema de competitividade. Os mercados tornaram-se mais abertos. Vendemos, hoje, para alguns países valores inimagináveis apenas há três ou quatro anos. Mas não vendemos percentualmente mais do que há dez anos. Os protagonistas empresariais são quase todos os mesmos. Tais como as declarações em que o Estado continua a ser o vilão. E, no entanto, os temores quanto à sustentabilidade da segurança social são, agora, bem menores do que o eram há sete ou oito anos. Os reformados mais carenciados têm apoios que poucos pediam há apenas cinco anos. A política energética foi mais longe do que os mais optimistas antecipavam. O número de funcionários públicos, mesmo que continue elevado, reduziu-se para níveis que pareciam utópicos há seis anos. O número de doutorados supera o que se ambicionava há 10 anos. A despesa em investigação e desenvolvimento atingiu, finalmente, o objectivo que se anunciava desde há uma década. A simplificação administrativa, nomeadamente na criação de empresas, pareceria um sonho há apenas cinco anos. Já na justiça tudo permanece igual.
No início de 2008 vaticinava-se que estas eleições seriam um passeio para Sócrates. Havia quem discutisse se o seu feitio não era um defeito, se o seu curriculum não era um cadastro, se a sua obsessão com o culto da personalidade não o distraía do fundamental, mas poucos lhe negavam o mérito e a coragem de ter metido ombros a reformas adiadas desde o primeiro governo de Cavaco Silva.
A história recente é conhecida de todos. Há um ano, a falência do Lehman Brothers fez saltar a tampa da panela de pressão da economia mundial. Enredado nas conversas dos burocratas europeus sobre o controlo do défice, o governo hesitou e tardou a reagir. Distraiu-se com a polémica dos grandes investimentos. Recuou, tarde e mal, na avaliação dos professores. Deu o flanco e perdeu o resto do estado de graça que ainda mantinha, empurrado por uma hábil e organizada campanha de rua. Luta para não perder as eleições.
Vem-me às mãos a crónica de um jogo do Porto. Uma das poucas derrotas nos últimos anos. Lembro-me bem. Para mim, a equipa não havia jogado mal. Os comentadores desportivos, que julgam uma exibição pelo resultado final, arrasavam-na. Um erro nos últimos minutos pode comprometer a vitória mas não apaga a exibição. Nem hipoteca o campeonato. O que pensarão os eleitores?