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Na sombria cidade de Manchester, no Norte de Inglaterra, todas as grandes lojas comerciais (tipo Zara) têm, logo à entrada, um aviso - "Cleaning in progress, wet floor", o que dá qualquer coisa como: estamos a limpar, cuidado com o chão molhado. Na verdade, não se vê ninguém a limpar, mas como ali a chuva é insistente e irritante, os potenciais consumidores podem entrar na loja com calçado mais escorregadio e cair com fragor. Com o aviso, a loja isenta-se de culpas...
Ontem, ao ouvir o ministro da Economia dizer que o Conselho de Ministros aprovara o Programa de Relançamento Público de Emprego, lembrei-me das lojas de Manchester. Álvaro Santos Pereira devia, ao mesmo tempo que perorava sobre a séria possibilidade de a economia recuperar já para o ano, ter um cartaz ao lado, a avisar para o carácter escorregadio da previsão, porque se há coisa de que podemos ter a absoluta certeza é a de que o chão que o país pisa está demasiado húmido para podermos sobre ele caminhar à vontade.
Quer dizer: no mesmo dia em que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou previsões que apontam para uma brutal queda de 3,3 por cento da riqueza produzida, neste ano, em Portugal, soa estranho ouvir o ministro jurar que, em 2013, o Estado quer dar trabalho a três mil (sim, três mil!) pessoas por mês. Soa a escorregadio, não soa?
Por mim, estou disposto a rezar dois pais-nossos e três ave-marias, todos os dias, para que tal aconteça. Mas suspeito que o dedo Dele não chegará para que se cumpra a profecia dele.
Não é azia nem descrédito, juro. São os números e é a política que vão em sentido exatamente oposto à trajetória desenhada pelo ministro Álvaro.
Os números: vamos a caminho dos 15% de desempregados; todos os dias há cerca de um milhar de pessoas que fica sem emprego; 30% dos jovens com menos de 25 anos não tem trabalho, na altura da vida em que as suas energias deviam estar ao serviço do país.
A política: a colocação de um acento tónico na austeridade, no controlo dos gastos a todo o custo, esquecendo tudo o resto, é uma opção deste Governo. Bem ou mal, foi esse o caminho escolhido. O resultado era expectável: mais falências, mais desemprego, menos consumo, menos receitas fiscais, menos crescimento, mais crise. Logo, mais desemprego.
Portugal está cheio de muito boa gente e de muito boas empresas dispostas a ir à luta. Não me sobram dúvidas sobre isso. O pior que se lhes pode fazer é atirar com discursos destes para os olhos. São discursos enganadores, escorregadios, escamoteadores das evidências.
Álvaro Santos Pereira faz, por isso, lembrar os letreiros das lojas de Manchester: só lá estão para defender os interesses das lojas. Se cair, o consumidor que se amanhe...