Não fui a Coimbra ver a intervenção pictórica que a CDU fez nas Escadas Monumentais da Universidade. Mas vi a magnífica fotografia que o jornal Público publica na sua edição de 26 de Maio e devo reconhecer que se trata de uma excelente prestação. De vários pontos de vista. Como ideia, não será propriamente original mas é oportuna. Como realização, não será rara nem única mas é muito cuidada e limpa. Como mensagem, é clara e não é ofensiva nem insultuosa para ninguém. Como atitude, é a que se espera de uma força política em tempo de eleições ao fazer "explodir" uma mensagem e atingindo claramente o objectivo. Esteticamente, é bem conseguida. O "design" trata com muito rigor a relação entre a forma e o conteúdo. As diferentes partes do texto ocupam organizadamente cada um dos cinco lanços da escadaria e, por isso, não desarrumam visualmente o espaço. Trata-se, portanto, de uma acto normal no espaço e no tempo que vivemos. A meu ver, cívica e politicamente correcto.
Corpo do artigo
Como é evidente, isto não significa que estejamos ou que tenhamos de estar irrestritamente de acordo com a mensagem e/ou com a força politico-partidária que a produziu. Mas não deixa de ser útil debruçarmo-nos sobre tudo o resto e, designadamente, sobre as declarações e tomadas de posição que a acção suscitou entre individualidades, grupos sociais e entidades que sobre a mesma se pronunciaram e que demonstram, desde logo, a eficácia da operação. Assim, há, pelo menos, três questões que sobressaem: a questão da legalidade ou ilegalidade do acto, a questão patrimonial e a questão cívica decorrente da circunstância criada pela intervenção da CDU.
Sob o ponto de vista legal, e no que à vertente propriamente política diz respeito, pronunciou-se a Comissão Nacional de Eleições (CNE), afirmando, sem reservas, a legalidade absoluta do acto e, não contente com isso, faz questão de explicar no parecer que emitiu o cardápio de sanções aplicáveis a quem "... por qualquer forma inutilizar, no todo ou em parte, ou tornar ilegível o material de propaganda eleitoral afixado ou o desfigurar ou colocar por cima dele qualquer material com o fim de o ocultar..." que é de "... pena de prisão até seis meses e multa de 4,99 a 49,88 euros"! Atenção, pois, a quem (e pelo menos até ao dia das eleições) quiser descer ou subir a escadaria e, ainda que por descuido, ousar pisar uma letra que seja! Não se sabe qual será o critério para o cálculo da despesa (se é por letra ou por lanços ou por todo) mas uma coisa é certa: pode ser preso!
Depois, ainda que conexa com esta questão, e sobre a qual também a própria CNE emite (douto) parecer, está a questão legal mas do ponto de vista patrimonial. Ou seja: a questão da protecção do património que considera não estar protegido porque aquelas escadas "...não se encontram classificadas como monumento nacional...", estando, apenas, "em vias de classificação". Tal situação, e segundo a própria CNE, coloca as escadas fora do disposto da Lei n.º 14/79 e da Lei n.º 97/88 e, portanto, fora de qualquer regime de salvaguarda e protecção. A dúvida que fica é se a CNE parou em 1988 ou se quer voltar para lá? É que, entretanto, muita água correu sob as pontes e mesmo dando de barato que, hoje em Portugal, ninguém se entende sobre que leis (ou bocados de leis) é que, em cada caso, se aplicam, a verdade é que basta ir à Internet e ao "lugar" do Igespar para encontrar, pelo menos, três diplomas legais de recente data que tratam especificamente da matéria: Lei 107/2001, o Decreto-Lei 140/2009 e o Decreto-Lei 309/2009. Por aqui se vê que "classificado" ou em "vias de classificação" o grau de protecção do património é rigorosamente o mesmo. E, se dúvidas ainda restassem, bastaria ler o Despacho n.º 14523/2010 para as dissipar completamente.
Por fim, e porque o espaço da crónica não estica (voltaremos ao assunto), devemos aproveitar a ocorrência para reflectir sobre a qualidade do nosso espaço colectivo. Ou seja, não devemos reduzir a questão das "escadas monumentais" de Coimbra a apenas um caso e, sobretudo, fazer do caso um monumental equívoco!