Algures em Berlim, há um português que teve a genial (e admito que controversa) ideia de criar e pôr à venda muffins de sardinha. O muffin é aquele bolo parente do queque português. Pedro Leão, o delegado da AICEP (Agência de Investimento e Comércio Externo de Portugal) destacado na maior cidade alemã, garantiu na conferência "Exportar: como fazer, com que apoios e para que mercados?", realizada na passada quinta-feira no Instituto Politécnico de Viana do Castelo, que o arrojo tem dado muito dinheiro a ganhar ao astuto português.
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O seu colega destacado em Paris, António Silva, sacou do bolso outro ilustrativo exemplo do arrojo nacional. Muito antes de Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia, ter desafiado os empresários a internacionalizar o pastel de nata, já um casal de portugueses ganhava rios de dinheiro a vender os ditos cujos numa das mais movimentadas e ricas ruas da capital francesa.
Isto, claro, enche-nos de orgulho - e, imagino, há de ter entusiasmado muitos dos jovens que assistiam ao encontro. Sobretudo quando o delegado da AICEP em Paris lhes lembrou que há 50 emigrantes portugueses proprietários de empresas que faturam mais de 150 milhões de euros por ano, sendo que todos têm uma semelhante história de vida: subiram a pulso a corda que os levou até ao patamar do sucesso, mas as mãos ensanguentaram-se muitas vezes, até chegar lá.
Os olhos dos que participavam na conferência ganharam brilho, é certo. Tristemente, esse brilho cresce na razão inversa das dificuldades do país. Na edição de ontem do JN, Joaquim Azevedo, professor universitário e coordenador do grupo de trabalho sobre a natalidade, soltou uma frase que tem a força de um valente soco: "Estamos a deixar aos nossos filhos um país impossível, porque inviável para todos". Claro que esta sensação nos enruga a alma há muito, mas ela tem outro peso quando a lemos e quando nos é explicada com sobriedade e verdade.
Joaquim Azevedo resumia assim a consequência dos dados do Instituto Nacional de Estatística sobre as projeções da população residente em Portugal: se nada for feito, em meio século o país perderá quase 2 milhões de habitantes, metade na zona Norte. É uma enormidade. "Portugal não está só a envelhecer, está a morrer como identidade e cultura". Quer dizer: somos um povo a prazo, a caminho de nos tornarmos ainda mais insignificantes no contexto internacional, sem ponta por onde se lhe pegar. "É preciso introduzir vida neste país que definha e morre. E nós a caminhar como se nada estivesse a acontecer", clama Joaquim Azevedo. Não é bem verdade: há quem, como os autarcas, ofereça ridículos cheques-bebés. E há quem, como distintos governantes, ache que o país está melhor, apesar de as pessoas estarem pior.
Resta uma esperança: que haja muitos portugueses a tirarem da cabeça ideias como a do muffin de sardinha...