O caso da providência cautelar intentada por um grupo de advogados estagiários contra o exame de aferição da Ordem é esclarecedor da ignorância e oportunismo dos respetivos requerentes, da disponibilidade dos nossos tribunais para acolherem qualquer disparate e da total impreparação dos órgãos de Comunicação Social para informarem com rigor sobre as questões relacionadas com a justiça.
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A forma como os órgãos de informação noticiaram a decisão de um tribunal sobre o assunto revela que não perceberam nada do que se passara. Disseram quase em uníssono, entre outros disparates, que os exames tinham sido suspensos, que eu não acatei a ordem do tribunal, que estava a cometer um crime de desobediência, que o exame tinha sido instituído por mim e que eu ainda não adaptara os estatutos da Ordem à nova lei. Nenhum órgão de informação fez uma investigação própria sobre o assunto, de modo a noticiá--lo com rigor. Em vez disso, optaram logo por tirar conclusões e fazer julgamentos sumários - que é o que, na verdade, mais gostam de fazer.
Qualquer jornalista que escreve ou fala sobre futebol conhece as regras desse espetáculo. Nenhum deles confunde um pontapé de canto com um penálti. Qualquer jornalista que faz notícias sobre a bolsa de valores é, em geral, bom conhecedor das regras que regem o seu funcionamento. Porém, no domínio da justiça o que acontece é que, em geral, a maioria dos jornalistas escreve ou fala sobre o que, comprovadamente, não entende. Fazem notícias ou reportagens sobre julgamentos ou decisões dos tribunais sem conhecerem, minimamente, as regras do processo penal ou do processo civil e sem saberem o que está em causa. Essa ignorância disponibiliza-os para toda a sorte de obséquios ou então torna-os presas fáceis dos interesses (alguns deles muito poderosos) que se digladiam nos tribunais.
A lei-quadro das associações públicas profissionais (lei 2/2013), publicada em 10 de janeiro deste ano, determinou que os estatutos das ordens deveriam ser adaptados ao novo regime aí criado. Deu um prazo de 30 dias às ordens para apresentarem as propostas de adaptação ao Governo e a este deu um prazo de noventa dias para as levar ao Parlamento, que é o órgão com competência para legislar sobre a matéria. A Ordem dos Advogados apresentou a sua proposta dentro do prazo, mas o Governo, ao cabo de cinco meses, ainda não o fez - porventura, por entender que só os outros estão obrigados ao cumprimento da lei e não ele próprio. Portanto, se a lei-quadro estabelece que os estatutos das ordens profissionais sejam alterados em conformidade com o novo regime, então, enquanto não forem efetuadas essas alterações, manter-se-ão em vigor os estatutos atuais. É óbvio que os jornalistas não são obrigados a perceber isto, logo à primeira. Mas é óbvio também que deveriam ter a humildade de perguntar a quem sabe antes de se porem a anunciar urbi et orbi qualquer disparate que lhes seja impingido.
É também óbvio que quando algumas pessoas pedem o decretamento provisório de uma providência de não realização de um exame e o tribunal lhes defere essa pretensão, então são apenas essas pessoas que ficam dispensadas de o prestar e não todos os outros impedidos de o fazer. Isto também seria óbvio num país onde a preocupação de informar com rigor se sobrepusesse ao sensacionalismo e à tentação de fazer chicana ou espetáculo mediáticos.
O que se passa na substância das coisas é que há dois tipos de advogados estagiários: os que tiraram uma licenciatura e os que a compraram nos saldos de Bolonha. Os primeiros suportam facilmente o incómodo de qualquer avaliação porque sabem que serão aprovados; os outros fazem tudo o que podem para não ser avaliados porque, obviamente, sabem que reprovarão. Enquanto eu for bastonário, a OA não venderá cédulas profissionais de advogado como algumas universidades têm estado a vender diplomas de licenciatura em Direito.
Quanto à decisão do tribunal que, sem ouvir a OA, acolheu a providência cautelar, o mínimo que se poderá dizer é que ela não passa de uma espécie de ornitorrinco judicial resultante de um inadmissível «cruzamento de chocas» que se acumulam nos computadores dos nossos magistrados.