Há muitos anos que muita e boa gente vem defendendo um pacto para a Saúde. Um pacto de regime, um pacto geracional, um pacto de bom senso para não acordarmos um dia destes e darmo-nos conta de que aquela que terá sido, sem qualquer margem para dúvida, a nossa maior realização coletiva dos últimos cinquenta anos se esboroou.
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Essa grande realização coletiva é o Sistema Nacional de Saúde, que tem no Serviço Nacional de Saúde (SNS) a sua espinha dorsal e o seu principal elemento estruturante.
O SNS deve a sua robustez e nível de desempenho à feliz combinação entre a qualidade e o empenho dos que nele têm trabalhado e o pacto tácito que se estabeleceu entre os portugueses quanto às suas prioridades e ao seu modelo organizacional que foi, na maioria das vezes, adequadamente lido e interpretado pelos que nos foram governando.
É este pacto que tem de passar de tácito a formal, a explícito. Os desafios que estão pela frente assim o aconselham e o que assistimos nos anos mais recentes assim o exige.
A Saúde, por cá como por outras geografias onde o seu caráter tendencialmente universal é uma realidade, precisa de reformas a diferentes níveis e algumas, pela sua ousadia ou disrupção, só serão possíveis em quadros de grande estabilidade e consenso. Não pode, também por isso, continuar a ser arma de arremesso na pequena luta político-partidária, nem pode estar refém de tabus panfletários. Não há um SNS da Esquerda e um SNS da Direita, há o nosso SNS.
Valerá a pena, a este propósito, interrogarmo-nos sobre quanto nos custou - em valor, oportunidades perdidas e qualidade de vida - e vai continuar a custar, se o caminho não for arrepiado, a contaminação ideológica que tem condicionado, por vezes de forma muito violenta, as opções e as ações governativas neste setor?
Um pacto, desinfetado de ideologia anacrónica, subscrito, como não tenho qualquer dúvida que seria, por uma maioria esmagadora dos portugueses, contribuiria decisivamente para o estabelecimento das condições propícias à boa concretização das reformas e da modernização de processos, que se vai necessariamente impor, e constituiria, por outro lado, um importante obstáculo às iniciativas mal direcionadas, ainda que bem-intencionadas na sua génese, que, meia-volta, causam grandes estragos no nosso ecossistema da saúde.
Um pacto lúcido e informado. Orientado ao cidadão e à garantia do seu acesso à saúde e aos cuidados de saúde. Alicerçado no conhecimento e modelado pela sustentabilidade. Monitorizado permanentemente com base em informação fiável e de qualidade. Como na medicina, um pacto baseado na evidência dos resultados em saúde.
*Diretor-executivo do Health Cluster Portugal