Corpo do artigo
Guerrear por questões pacíficas. As intenções que estão subjacentes ao desprezo e ao desrespeito pelo pacto social, que tem de regular e mediar as relações entre trabalhadores e empresas, não podem ser promovidas pelo Estado. Demasiada ousadia, até. São excessivas, mais do que muitas, as questões fracturantes e controversas que exigem resolução para que ministros resolvam dispersar tempo, energia e foco a questionar falsos problemas sem qualquer adesão à realidade ou fraca base de sustentação ou interesse. É neste contexto que as declarações da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Ramalho, se revelam incompreensíveis e denotam uma insensibilidade e ligeireza que não se compadece com o argumento da impreparação. Onde estão os abusos que justifiquem a redução dos horários de trabalho para as mães em fase de amamentação? Mais uma vez, a maldita percepção. Atira-se para o ar. Acende-se um rastilho. E um falso debate que não precisava de ser alimentado.
Nos últimos cinco anos, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) multou dez empresas e advertiu outras 13 por questões relacionadas com o direito à amamentação. Ou seja, segundo a ACT, há casos em 23 empresas que infringiram a lei e nenhum caso de infracção por parte dos trabalhadores. A Comissão para a Igualdade no Trabalho, que não foi consultada pelo Governo para a proposta de alteração ao Código do Trabalho, garante jamais ter recebido uma queixa de empresas. A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego denuncia abusos e pressões das empresas que optam por "atacar as mães e as crianças", nunca tendo havido - pelo lado das entidades empregadoras - queixas de abusos por parte dos trabalhadores. O Ministério do Trabalho admitiu que não tem dados concretos sobre o número de mães que cometeram as alegadas irregularidades, nem sequer sobre o número de mães a amamentar. O parecer do Colégio de Pediatria reforça a posição do Colégio de Medicina Geral e Familiar, que subscreve o parecer da Ordem dos Médicos que defende a licença de amamentação automática no primeiro ano do bebé e um compromisso de honra da mãe no segundo, sem atestado médico. Apesar de tudo isto, a ministra do Trabalho, académica e competente, criou - incompreensivelmente - mais um caso prático irreal para a ministra da Saúde e para o fogo de artifício demagógico.
Nada disto é pueril a não ser que se promova um país a biberão com fórmula artificial. Em detrimento de políticas de incentivo à natalidade, ao invés de proteger as mulheres e, globalmente, os pais, sem perceber que há casos onde as mulheres foram obrigadas literalmente a espremer mamas para provar que continuavam a ter leite para as suas crianças, há responsáveis no Ministério do Trabalho que parecem precisar de uma dose de realidade ou de terapia ocupacional.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia