Corpo do artigo
Foram divulgados os dados relativos à primeira fase de colocação de alunos que entram no Ensino Superior, no novo ano letivo. O total de acessos, nesta 1.ª fase, ficou 12% abaixo do ano anterior. Uma realidade desastrosa, num quadro em que outros indicadores relativos a condições de trabalho, a níveis salariais e a custos da habitação são muito duros, em particular para os jovens.
É claro que o quadro demográfico é desfavorável. Temos uma população envelhecida e ainda significativa emigração. Nos níveis inferiores da escola o desaparecimento de crianças filhas de portugueses é compensado pela entrada de filhos de imigrantes. Mas, esse impacto, por agora, não chega à universidade e não sabemos como chegará. O enredo do problema é complexo e condiciona a evolução do tecido socioeconómico, o equilíbrio do sistema de proteção social, a modernização dos serviços públicos, a prestação dos direitos fundamentais a todos os cidadãos.
O país precisa de mais universidade e mais portugueses com formações superiores. Hoje, 45% dos médicos de medicina geral e familiar tem mais de 65 anos. Há falta de profissionais qualificados em várias dos subsetores públicos, como é o caso da educação e da justiça, mas igualmente no setor industrial e de novos serviços. A estratégia seguida pelo Governo no sentido de facilitar a entrada de imigrantes qualificados assenta em dois objetivos subversivos: obter trabalho qualificado a baixo custo e encostar à parede os jovens portugueses qualificados. Daqui só pode resultar desmotivação para os jovens e desvalorização da nossa universidade.
Portugal é hoje um país bloqueado no seu processo de desenvolvimento e a condição de membro da União Europeia - no atual contexto internacional - pode acrescentar cargas negativas pesadas. O chanceler alemão disse, esta semana, que "o Estado não pode suportar o Estado social". Ora, o Estado social depende da valorização e dignificação do trabalho e da cidadania social que coloca os indivíduos como os portadores dos direitos. Quando em vez de atualização de salários se "oferece" subsídios para substituição de eletrodomésticos ou migalhas em benefícios fiscais, ou complementos ocasionais nas pensões de reforma em vez de atualizações justas, mina-se o Estado social.
O ataque à escola pública, as políticas de baixos salários e o bloqueio no acesso à habitação conduzem-nos a um inexorável retrocesso. As rendas subiram 7% em 2024, o maior aumento em 30 anos. O alojamento para estudantes é de valor insuportável para a maioria das famílias. Não há residências públicas para estudantes. Em Lisboa, são pouco mais de 2700 camas para quase 50 000 estudantes deslocados. Além disso, o acesso ao ensino público é um lugar onde as desigualdades a montante do sistema têm um brutal impacto. Os alunos partem com um capital social muito desigual.
A afirmação do Estado social de direito democrático é premente na luta contra o retrocesso democrático e civilizacional.