Há duas crónicas, perguntava por o que Marcelo pretendia com a criação de um facto político, eleições, a pretexto da recusa do Orçamento. A avaliar pela sua mais fiel porta-voz, a jornalista Ângela Silva, do "Expresso", o presidente estava a "pressionar" a aprovação do documento.
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Sucede que "o tiro saiu pela culatra" ao presidente, de acordo com a mesma fonte. Do susto - que alegadamente queria pregar aos malandrecos do PC e do Bloco - brotou a marcação de eleições legislativas antecipadas. Marcelo ouviu as corporações e os partidos. Estes, não se sabe se alguns, pelo menos, em modo "bluff", foram unânimes, salvo um, em querer eleições "o mais depressa possível". Mais. Marcelo, e regresso à mesma fonte, diz até estar preparado para um festival de crises, convencido que do próximo acto eleitoral não sairá nada de "estável e coerente", para citar o presidente Eanes nos anos 70 do século passado. Em menos de um ano de segundo mandato, Marcelo conseguiu ter o país nas mãos, não necessariamente pelas melhores razões. As eleições seriam evitáveis com um Governo que não se demitiu, e que podia perfeitamente estar agora a preparar uma segunda proposta de Orçamento. Todavia, também o Governo deu sinais de, a partir de determinada altura, se estar nas tintas para a aprovação ou reprovação do Orçamento. O ministro das Finanças, aliás, nem sequer figura de corpo presente foi chamado a fazer nas reuniões de Costa com os parceiros. Não que se tivesse quebrado o cimento que unia estas esquerdas, agora desavindas, quanto ao ódio à direita. De resto, estavam fartinhos uns dos outros. E Marcelo farto deles. Todos arranjaram, afinal, uma maneira de dar uma valente martelada naquele bloco de cimento. A direita parlamentar significativa apanhou-se em trânsitos internos de disputas de lideranças. Para já, não tem ninguém que possa assumir-se plenamente candidato a primeiro-ministro, com autoridade política, enquanto não ficar claro perante o país quem manda no PSD e quem manda no CDS. Depois, aqueles com possibilidades de desempenhar essa função são dúbios quanto à apresentação da direita federada a eleições, alargada a novas componentes, partidárias, ou não, que estão aí. Em suma, anunciam-se meses de berbicacho político, pois dificilmente em Janeiro, se for em Janeiro, alguém atingirá uma maioria sozinho. Quando Marcelo era pequenino, não sei quem terá gracejado que não valia aborrecê-lo com brinquedos porque, um dia, teria um país inteiro para brincar. Mais vale tarde que nunca.
*Jurista
O autor escreve segundo a antiga ortografia