Há dias, foi divulgada uma fotografia nocturna de Portugal na qual é evidente a litoralização do país em que, ainda, assim, sobressaem dois pólos, um em Lisboa (bastante maior) e, outro, no Porto.
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A imagem não é muito diferente em Espanha, embora o núcleo mais forte se situe no Centro do país, onde se localiza Madrid. Arrisco dizer que, se continuássemos pela Europa adentro, o panorama não seria muito diferente com a excepção de países com uma extensão de costa limitada ou daqueles que são ilhas ou, então, estritamente continentais, que tendem a ser mais policêntricos. A ideia de um povoamento territorialmente equilibrado parece ser uma utopia. Em rigor, talvez não pudesse deixar de ser assim: há economias de aglomeração evidentes e factores produtivos ou recursos naturais que não se distribuem homogeneamente. As actividades que mais beneficiariam da proximidade e complementaridade com outras indústrias ou serviços concentrar-se-iam em algumas zonas, mais ou menos polarizadas. Noutras regiões a especialização seria em actividades mais extensivas. E assim sucessivamente. Não é este nem o espaço nem o propósito para discutir a teoria do desenvolvimento nem a forma como se dá a sua expressão territorial. O ponto não será esse mas o de saber em que medida essa diferente especialização e territorialização salvaguarda, por um lado, a igualdade de oportunidades no acesso a níveis de vida condignos e, por outro, não limita ou colide com o propósito do próprio desenvolvimento global do país.
O excesso de polarização pode acontecer por razões que se diriam naturais e que o tempo corrigirá. A atracção de pessoas e recursos faz-se, nas economias de mercado, de uma forma espontânea, não planeada, reagindo a incentivos e expectativas. Quando esse processo vai longe de mais, geram-se deseconomias e desperdícios: o custo dos terrenos ou os alugueres sobem, os congestionamentos sucedem-se, o custo de vida aumenta desproporcionadamente, a produtividade estagna, a competitividade perde-se, o desemprego emerge. Havendo flexibilidade, pessoas e empresas deslocam-se para outras regiões que se antecipa oferecerem um futuro melhor. Entre nós, a lei das rendas, forçando à aquisição de casa própria, cerceou a mobilidade territorial e impôs, sobretudo aos mais jovens, a aceitação de condições de vida e emprego bem abaixo do que inicialmente antecipavam.
Pior, muito pior, ocorre quando os interesses entretanto instalados se recusam a aceitar o natural processo de ajustamento e se arrogam estatuir que, pelo contrário, o país precisa de reforçar a capital. Quando o congestionamento produz ineficiência, o simples objectivo de repor o nível inicial de rendimento requer que se drenem proporcionalmente mais meios que, desta forma, vão minguar no resto do país, sobretudo nas regiões e comunidades com menos peso e força política, onde a esperança fenece, alimentando o ciclo vicioso de empurrar os que ainda têm alguma mobilidade para onde lhes parece haver alternativa. Para tornar as coisas piores, aqueles recursos tendem a ser apropriados por uma oligarquia de interesses, públicos e privados, que se torna a única beneficiária de todo o processo. O resultado final é aquele a que assistimos: um país dual mas também uma metrópole com enormes assimetrias internas, com os mais jovens e desfavorecidos reféns do processo de centralização, sem alternativas, empurrados para a periferia da cidade, com diminuta qualidade de vida, com acesso a serviços de qualidade limitada e consumindo nas deslocações o tempo e o dinheiro que pouparam na habitação.
Crescer, assim, consumirá sempre mais recursos do que o necessário.
Para sobreviver a esta crise, a coesão é um imperativo. Nela se entrecruzam as dimensões social e territorial, a salvaguarda da dignidade da pessoa humana e a subsidiariedade. Em conjunto, seriam a expressão de um país mais solidário. Na verdade, a expressão de UM país. Não inscrever a descentralização e a subsidiariedade na agenda política é, mais uma vez, adiar o país.
