A Igreja Católica Apostólica Romana vai eleger o novo Papa e envolta em escândalos de crimes sexuais e financeiros, parecendo evidente que o sucessor de Bento XVI não pode ter pecado em nenhum destes dois terrenos. A propósito desta delicadíssima eleição papal, ouvimos cardeais entregarem-na às boas graças do Espírito Santo num recurso que tem tanto de comovente bênção quanto de inocente impreparação. Se quanto à moralidade dos hábitos será possível que o divino espírito ainda possa ser bom conselheiro, já quanto às práticas financeiras não se vê qual o seu grau de utilidade, tamanhas e tão engenhosas elas já se revelaram.
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Só para dar um exemplo em que toda a Igreja se revê do ponto de vista pastoral: João Paulo II. Pois foi precisamente durante o seu pontificado que a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo Paul Marcinkus, presidente do Instituto das Obras Religiosas (IOR), conhecido por Banco do Vaticano, por lavagem e desvio de dinheiros. O Papa polaco salvou o arcebispo da cadeia usando a soberania do Estado do Vaticano porque não podia desconhecer que uma parte dos dinheiros desviados tinham-no sido a pretexto de uma boa causa pastoral: o apoio político ao sindicato Solidariedade, que tinha liderado a luta contra o regime comunista na Polónia.
Quando Bento XVI renunciou a sua justificação foi resumida à falta de forças para continuar a ser o chefe da Igreja e a maioria dos comentadores e analistas extrapolaram os limites físicos dessa resistência débil para conjeturar a sucessão em termos das geografias mais puritanas da fé ou das suas práticas mais modernistas. Um ou outro lá se aventurou nas questões da alta finança do Estado do Vaticano mas com boas razões práticas.
Lendo e relendo a muita informação [séria, acrescente-se] em circulação, acredito que, não sendo surdos, nem cegos, nem mudos, os cardeais reunidos em Roma vão escolher o novo Papa com o objetivo determinado de colocar ordem no Estado do Vaticano.
E tanto, ou mais, que o Espírito Santo, talvez lhes valham os ensinamentos da encíclica divulgada em julho último, através da qual Bento XVI intimava os católicos a lutarem pela justiça social e pela reposição da transparência no sistema financeiro internacional.
O Papa Bento XVI falava do que não podia ignorar: o escândalo da divulgação pelo seu próprio mordomo de documentos secretos era apenas o último episódio de um golpe de Estado que decorria no Vaticano desde que, em 2009, nomeara Ettore Gotti Tedeschi para proceder ao saneamento e esclarecimento das contas do Banco do Vaticano, tarefa que esse banqueiro levou muito a peito e com tanta fé que acabou despedido e deixou o IOR no mesmo dia em que o mordomo Paolo Gabriele haveria de ser preso.